Fotos: LEANDRO FURINI | Texto: JOE BORGES
Na intersecção do que viriam a se tornar os continentes europeu e asiático, há um belo de um punhado de séculos atrás, mais precisamente oito, uma invasão territorial mudaria completamente os rumos da sociedade da época. Os mongóis, liderados por nada mais nada menos que o temido líder Batu Khan, invadiriam, com seus mais de 150 mil munidaços arqueiros, aquilo que viria a ser a União Soviética, conhecida, na época, como Rússia Kievana, um dos muitos condados, ducados e principados que compunham o mapa da região. Quando os mongóis finalmente cruzaram o Rio Volga, e passaram a adentrar os territórios que formariam a Mãe Rússia, se depararam não só com uma resistência feroz, mas também com um hábito etílico de invejar qualquer civilização. Com o passar de muitos e muitos anos, e também como fruto do anexo territorial, uma curiosa miscigenação naturalmente ocorreu na região. Os mongóis, desde os tempos pré-Genghis Khan, já adotavam um excêntrico hábito, o de pedir encarecidamente para que pessoas queridas, ou que de certa maneira fossem-lhes importantes, desenhassem-lhes em forma de retrato, geralmente de maneira imediata, sem ensaios ou rascunhos. Acreditava-se que o ato de ser representado por outra pessoa através de desenho era uma maneira vigorosa de transmutação energética, numa poderosa absorção mútua entre ilustrador e representado. Pouco importava a qualidade estética da ilustração, visto que a simbologia do ato era o que realmente tinha valor. A crença girava em torno de que estes desenhos criavam um laço muito forte entre as pessoas, sendo comumente utilizados inclusive entre a alta aristocracia como uma maneira de selar com ainda mais afinco certas alianças e compromissos. Mas onde os russos kievanos entram nessa história?
Ao estabelecerem-se na região da Rússia Kievana, os mongóis lentamente acabaram passsando o rito de serem desenhados por pessoas queridas em diante para os locais, que não demoraram a incorporar a prática, só que de uma maneira mais etílica e informal. Ao sul da região, onde hoje em dia se localizam a Ucrânia e Bielorússia, o consumo de álcool já comia solto, com altíssimos índices de destilados de batata por cabeça quadrada. Os nativos gostaram tanto da tradição mongol em questão que passaram a vulgarizá-la e levá-la para as tradicionais e aquecidas tavernas em que costumavam se embriagar. Quase que ironicamente, passaram a pedir para que os atendentes e serviçais desses locais desenhassem-lhes, como uma forma de gerar boas risadas, o que rapidamente ganhou significado importante. Ao longo de séculos, a tradição acabou por espalhar-se, se consolidando até os dias atuais, tendo sobrevivido a grandes empreitadas governamentais contra as tradicionais casas de álcool, como a “lei seca” instituída pelo Regime Soviético em 1935, e consolidada com marreta 50 anos depois, o que levou, por exemplo, ao fechamento de cerca de 90% dos bares e tavernas da capital Moscou, ameaçando assim a versão leste-européia do tradicional costume mongol. Agora, com base neste histórico relato regional, uma importante questão a ser levantada é: seria esta tradição verídica? A resposta é não. Este típico costume não passa de um delírio débil criado pela escangalhada mente pertencente à entidade Zaso, com o intuito de causar caos, confusão e, por que não, indiferença. Guiados pela inexistente tradição multicultural mongo-soviética, os zasalhas Joe Borges e Leandro Furini partiram para as ruas de São Paulo para resgatar o irresgatável. Durante um período que chegou a completar mais de trezentos e sessenta e cinco dias, os jovens pediram de maneira cordial para que funcionários de botecos, bares e casas de embriaguez lhes desenhassem da maneira mais honesta possível, o que gerou resultados arrebatadores.
O primeiro dia da empreitada foi 13 de Janeiro de 2016, pela região da Avenida Ibirapuera, no tradicional bairro de Moema. O escolhido para iniciar a saga foi o arisco Gomes, como se identificou. O homem adulto de meia idade é atendente de um estabelecimento carinhosamente apelidado por Zaso Corp. de Churrasca, por conta de sua churrasqueira localizada logo à entrada do bar, dando as boas-vindas ao cliente. O funcionário, que estava extremamente desconfiado, só aceitou concretizar o desenho depois de muita lábia por parte dos zasóides, que fizeram o possível para deixá-lo tranquilo de que aquela situação toda nada mais seria do que uma experiência agradável e que tudo ficaria bem. Gomes então pegou lápis e papel, cedido gentilmente por Zaso Corp., e passou a observar os jovens, apoiado ao balcão. Sem muito esforço e se utilizando de uma técnica segura e agressiva, desenhou-os rapidamente, como se papel e lápis estivessem queimando-lhe as mãos. Sentindo-se aliviado, sorriu e com semblante mais apaziguado voltou ao seu serviço imediatamente, servindo mais uma cerveja para os zasalhas, que observavam atentos a ilustração feita pelo funcionário. O resultado foi excêntrico, com os rostos dos jovens sendo desenhados de maneira muito semelhante a duas caveiras, como se o nosso artista pudesse enxergar para além da pele em que os zasalhas habitavam, apesar de preferir manter seus pêlos faciais e capilares, que não eram poucos. Gomes se mostrava um ser humano misterioso, sua visão acerca dos zasólios apenas tornou-o ainda mais. Apesar da insistência, o atendente não quis ser fotografado pelas lentes analógicas de Leandro Furini, se reservando a apenas ceder sua ilustração e seu precioso tempo para a entidade Zaso. Já estava de bom tamanho.

Com a primeira obra da série em mãos, os zasóides terminaram seus bebericos e migraram para o bar do lado, conhecido como Lanchito. A madrugada ia dominando tudo ao redor com seus tentáculos. Dentro do estabelecimento, nenhum cliente fora avistado, apenas dois pacatos funcionários. Valdemar, portador de respeitável bigoda, no alto de seus cinquenta e uns quebrados anos, e Fabio, pelo menos uma década mais jovem que seu colega, olhavam para os enviados de Zaso Corp., felizes de maneira contida. De cerveja em mãos, os zasos explicaram seus planos à dupla e fizeram o pedido pelo desenho. Encabulados, os funcionários ficaram tentando jogar a responsabilidade de fazer a ilustração um para o outro, como uma batata quente que assava-lhes as mãos. No final das contas, Valdemar tomou a iniciativa e resolveu assumir a bronca. De papel e lápis em mãos, ficou atrás do balcão de pagamento concretizando sua obra, enquanto os zasalhas tentavam manter-se o mais naturais possível sem se mexer muito e atrapalhar a obra que estava em processo. O semblante de Valdemar era de satisfação. Apesar da timidez inicial, mostrou-se entretido com a missão. Curiosamente, Valdemar portava três canetas em seu bolso esquerdo, porém, preferiu aceitar o lápis cedido gentilmente pelos jovens. Valdemar demorou um tempo bastante considerável para fazer o seu desenho, claramente empenhado e preocupado com o resultado. Seu traço de grossa espessura parecia furar o papel. Quando o resultado veio, o que mais chamava a atenção era o fato de Jonas ter sido desenhado sem barba e o boné que Leandro portava estar representado pelo que parecia ser uma nuvem sobre sua cabeça, pairando livre num céu de sulfite.


Inspirado pela sagacidade de seu colega mais velho, Fabio resolveu se arriscar também, tomando o papel sulfite e lápis para si. Sentando-se numa das vazias mesas do boteco, virou de costas, evidenciando seu esplêndido jaleco com os dizeres “Dreher é Dreher e vice-versa”. Como não estampar sincero sorriso? Seu desenho, de traços mais finos e menos rachurados, foi concretizado com relativa rapidez, sendo que o boné de Leandro levou-o a estudar um pouco melhor a situação. O resultado foi mais alegre e minimalista que o de seu colega de serviço. A ilustração de Leandro recebeu o sorriso mais intenso, coroado por um boné que mais parecia uma viseira, por não possuir topo, o que evidenciou traços de ousadia do artista. Enquanto isso, o desenho de Jonas, menos sorridente e aparentando certa debilitude mental, fora privado de sombrancelhas, mas não de seu indiscutível carisma, assemelhando-se a uma espécide de Jesus Cristo pós-contemporâneo. Um desenho simples, direto e de traço fácil, típico de alguém que tem intimidade com o lápis e tirava de letra as aulas de artes na escola.


Um mês se passou até que o segundo dia de arte botequeira viesse à tona. Dessa vez, o palco foi o bairro da Pompéia. Relativamente cedo para os padrões alcoólicos da noite paulistana, por volta das 21h, os zasalhas se encontravam no recém-inaugurado, e já detentor de excelente reputação em comes e bebes, Esquina Pompéia Chiq. Quando um dos funcionários do estabelecimento fora indagado acerca da possibilidade de desenhar os súditos de Zaso Corp., imediatamente negou-se, apontando para o que parecia ser um tímido rapaz que aparentava não ter sequer atingido os vinte anos de idade. Portando seu uniforme de atendente, o mesmo entrou num modo de defesa avançado, rechaçando qualquer possibilidade. Após jocosa pressão de seus colegas de trabalho, e claramente envergonhado, Lucas aceitou o desafio. De maneira mulamba, os zasaístas não portavam absolutamente nenhum material propício para a ilustração. Um burburinho geral tomou conta do estabelecimento, em alguns instantes um dos funcionários voltaria com uma embalagem de salgado para viagem, que serviria como plataforma para que a arte fosse consumada. O jovem Lucas sacou uma caneta Bic preta e começou a desenhar Jonas e Leandro. Ousadamente, o artista desenhou-os de corpo inteiro, se utilizando de traços tremidos que davam um aspecto de choque, representando-os praticamente de maneira igual, com a diferença de colocar um simples boné em Jonas. Lucas estava querendo acabar logo a missão, parecia que visões aterradoras do passado tomavam sua cabeça durante o ato da ilustração. Quando tudo acabou, abriu um sorriso de alívio.


De missão cumprida naquele estabelecimento, os zasalhas apenas atravessaram a rua em direção à lendária Lanchonete Souza, também conhecida como a “Mãezona da Pompéia”, por conta de seu funcionamento 24 horas. Já era mais de meia noite e o local fervia de clientes, como de costume. Ao sentarem no balcão para uma gelada Itaipava e um salgado recém-saído da cozinha, os záseis abordaram o sério e comedido Fernando, que sem titubear aceitou imediatamente o desafio. Com confiança fora do comum, como se estivesse enchendo uma xícara de expresso, pegou o desenho feito por Lucas, analisou o papel de embrulhar salgado para viagem, pegou um papel semelhante, que estava perto de seu alcance e começou a desenhar, chamando rapidamente a atenção dos outros colegas de labuta. Enquanto Jonas e Leandro conversavam naturalmente, Fernando ia cada vez mais se empenhando em seu desenho. A estufa de salgados, que possuía uma fileira de condimentos atrás, acabava por cobrir o resultado da ilustração, causando ansiedade nos zezélhas. Os minutos iam se passando e nada, apenas o vai e vem dos atendentes curiosos com o que o nosso artista estava protagonizando. Enfim, em momento de forte distração, Fernando cutucou os ilustrados para avisar-lhes que havia terminado a jornada. O resultado foi surpreendente. O atencioso desenhista não só desenhara os zasalhas, de corpo inteiro e em proporções bastante fiéis, como também um cenário de fundo, composto por janelas e quadros. A reação dos jovens foi de satisfação e agradecimento, Fernando apenas observava-os, enquanto um pequeno grupo de outros funcionários gerava um burburinho para ver o resultado. Uma comoção foi formada.


É importante ressaltar que tal prática não pode ser vulgarizada, precisa haver uma confluência astral para que o ritual de desenho por parte de prestadores de serviço alcóolico e alimentício seja consumado. Por conta disso, um breve hiato do projeto veio à tona. Não mais que um mês de retiro espiritual. O retorno ocorreu no bairro da Consolacão, mais precisamente em um boteco da Praça Roosevelt, conhecido formalmente como Lanches Guimarães Rosa. A meia-noite já era coisa do passado, enquanto Jonas e Leandro bebericavam e conversavam sobre assuntos de cunho modesto. Duas outras figuras, já debilitadas pelo álcool, falavam alto e davam gargalhadas esganiçadas. A primeira, um militar embriagado que se assemelhava muito a uma morsa, no alto de seus sessenta e tantos anos, e o segundo um homem mais jovem, moreno, desprovido de cabelos e portando uma carteira acoplada ao cinto, que comportava sua camisa para dentro da calça.
Portando caneta Bic preta e um papel de adesivo, já sem o adesivo propriamente dito, Zaso Corp. resolveu romper a escangalhação do bar e perguntar para o atendente Luis, que parecia mediar a conversa entre os dois outros embriagados, se ele poderia ceder seus dotes artísticos em prol de sua nobre causa. O bom homem ficou ligeiramete encabulado mas aceitou a proposta. O foco da conversa dos dois homens, que era acerca da filha do militar estar estudando nos EUA, mudou instantaneamente para a ilustração. Luis desenhou os zasóides de maneira simples e bem humorada, terminando o relato em menos de dois minutos. O resultado foi dois desenhos idênticos, lado a lado, de rostos minimalistas e praticamente idênticos, desprovidos de qualquer pelagem facial que não fosse o cabelo. O resultado deixou os jovens reflexivos. O que passara-se pela cabeça de Luis será para sempre um dos maiores mistérios não desvendados pela ciência humana.


Em novo hiato cósmico-espiritual, os zasalhas passaram mais de nove meses, isso mesmo, o suficiente para o desenvolvimento e nascimento de um bebê humano, sem propagar a cultura do desenho de boteco. Foi já com o ano de 2017 estalando o chicote que os jovens responsáveis pela empreitada receberam o chamado da entidade Zaso para darem sequência ao projeto. Em noite extremamente chuvosa e fecalóide, após fracassada tentativa de praticar skateboard, Jonas, Leandro e o conhecido do atuante público zásico, Leo Fagundes, se encontravam na Lanchonete Cuca Grande, enorme recanto da botecagem central paulistana, próximo da Praça Roosevelt também. O bar estava explodindo de tanta gente, uma babilônia quase incontrolável tomava conta do ambiente. Fazendo malabarismos e movimentos ágeis para atender tantas pessoas, César Henrique se mostrava um versátil funcionário. Após trazer uma excepcional cumbuca de amendoim para os jovens solicitantes, foi indagado se poderia fazer um desenho para o acervo Zaso Corp. Um tanto confuso, quis saber melhor do que se tratava, consultando seu chefe, eternizado nesta matéria zásica clássica, conhecido por todos como Fabio. Liberado para mostrar seus dotes artísticos, Césinha estaria pronto para brilhar muito, porém, um problema grave assolou os zasóides, estavam sem papel e caneta.
Há alguns metros do estabelecimento em que os jovens se encontravam, uma banca poderia ser a salvação para as mazelas do grupo, faltava apenas a disposição de encarar a chuva. Destemidos, partiram em direção ao local. Ao perguntar para o responsável pelo recinto acerca de caneta e papel, o mesmo disse que não tinha. Desolados, os zasalhas olhavam ao redor à espera de uma solução milagrosa. A banca mais parecia uma loja de R$1,99, com os mais variados itens e bugigangas, de sabonete aestilingue. Foi então que Jonas avistou o que parecia ser um bloco de papel, saltando sorrateiramente sobre o mesmo. Se tratava de um bloco de recibos de aluguel da marca Tamoio, que parecia ter sido impresso no início dos anos 90, maravilhosamente desbotado. Era perfeito para a missão, visto que tinha a parte de trás de cada área de recibo em branco. Pela bagatela de cinco reais, adquiriram a bloqueta e voltaram para a casa de álcool, a caneta teria que ficar a cargo do estabelecimento. César então, de recibos de aluguel em mãos, começou a missão de desenhá-los, interrompendo seu trabalho com o aval de seu chefe. Enquanto o funcionário brilhava muito, os zasalhas avistaram uma garrafa de cachaça deveras curiosa, mais parecia um saco de arroz rústico. Ao verem de perto que na realidade se tratava de uma simpática garrafa de Cachaça Melgaço, não poderiam deixar de bebericar uma dose.
Enquanto César fazia seu desenho, os jovens iam se embriagando. Uma rápida olhadela já mostrava o grau de compenetração do funcionário, a ilustração estava ficando impressionantemente bem-feita, de longe o contribuinte mais talentoso que Zaso Corp. vira até então. Jonas, que foi o primeiro a dar aquela bisbilhotada, ficara bastante impressionado com o andamento. César fez questão também de desenhar Leo, que também passara a dar olhadas esporádicas para ver o processo criativo do atendente. Já com a cachaça devidamente consumida, Césinha finalmente mostrou-lhes oficiamente o resultado, de proporções invejáveis e uma técnica que ia além do natural, aquilo era claramente obra de alguém que tinha, ou tivera, o costume de praticar atos de desenho. Deixemos que o resultado fale por si só. Ao final da empreitada, ainda mostrou que domina também a nobre arte da fotografia, tirando uma foto dos três juvenaltas representados em desenho. Não restam dúvidas de que se trata de um baita talento escondido atrás dos balcões da vida noturna paulistana.



Felizes proprietários de um novo registro sobre bloco de recibos de aluguel, os zasóides resolveram encarar a noite adentro, a chuva já havia dado uma trégua. Cansado, Leo resolveu puxar o bonde a bordo de sua moto. Jonas e Leandro se mantiveram firmes e fortes, estavam dispostos a conseguir mais dois desenhos para seu acervo. Sentindo que era o certo a se fazer, subiram a Rua Augusta para mais um beberico e quem sabe descobrir mais um talento artístico não lapidado. O próximo destino seria um soturno bar em uma travessa, na Peixoto Gomide. A rua que estranhamente não estava estrumbante de gente, como de costume, abrigava apenas alguns jovens embriagados. Jonas e Leandro então adentraram o recinto conhecido entre amigos próximos como Chefão, na realidade em uma espécie de anexo do mesmo, que não possuía nenhum cliente que não fossem eles. Com um Cynar e uma água em mãos, afinal a idade chega para todos, os jovens pediram encarecidamente para que o funcionário responsável pelo atendimento representasse-os em forma de desenho. O mesmo, encabulado, chamou um outro atendente, amigo seu, para cumprir a missão. Felipe, um bem-humorado rapaz levemente acima do peso, pegou o bloco de recibos de aluguel, sem sequer questionar que raios era aquilo, e passou a desenhar. Os zasalhas notaram que haviam furtado a caneta de César, uma atitude de ingratidão para com sua tamanha gentileza. Outra característica muito interessante da caneta era o fato de ela ter tampa de Bic mas ser de outra marca, realmente fascinante. Apenas aceitando a realidade, pararam por cerca de três minutos para que o desenho ocorresse. O tempo todo, Felipe dizia que não desenhava desde a época do colégio, onde até tinha certo hábito. O resultado mostrou que ele ainda tinha uma determinada manha, se atendo a detalhes interessantes, como fios de cabelo desgrenhados, que Jonas ostenta cerca de 24 horas por dia, e o pequeno logo com desenho de praia e coqueiro estampado no boné de Leandro. Um perfeccionista, por assim dizer. Zaso Corp. atentou para a semelhança da ilustração de Jonas com o ex-jogador de futebol búlgaro, e conhecido pela inadequação estética, Trifon Ivanov, em uma versão menos barbada do mesmo.


Saídos do clima um tanto abatido que o Chefão ostentava, Jonas e Leandro desceram novamente a Augusta, dessa vez se dirigindo a um estabelecimento que oferecesse sinuca aos mesmos, como entusiastas que são. O local escolhido foi o Nosso Bar – O Lázaro. Munidos de uma gelada cerveja, jogaram algumas partidas de sinuca, já bastante alcoolizados, e viram que o relógio já acusava as quase cinco da mamãe. Junior, simpático jovem atendente que cuidava do balcão maior do estabelecimento, foi o escolhido para fazer o último e derradeiro desenho da noite. Sem demonstrar qualquer receio ou vergonha, pegou o talão de recibos, também sem questionar o porquê do desenho ser feito em tal plataforma, e começou a transcrever sua visão de mundo para o papel. O desenho ficou pronto em instantes, com uma característica muito caricata, a representação dos zasalhas ficou a mais próxima de personagens de quadrinhos de todas as cedidas à entidade Zaso. O desenho de Jonas ostenta uma expressão de desconfiança, como se alguém estivesse prestes a sacaneá-lo de maneira federal, enquanto Leandro está desenhado com traços de pilantragem e falcatrua nos olhos. Os três riram juntos do resultado, numa comunhão de demência. Na hora de pousar para foto, Junior foi o mais efusivo, mandando para o internauta não só um, mas dois jóias, ostentando anéis e relógio. Estava ali, para quem quisesse admirar, o último desenho da sacra jornada.


Terminada esta empreitada de coleta de valiosos registros ilustrativos, os zasalhas se sentiram glorificados pela oportunidade de propogar uma tradição tão inexistente como a representada por este relato. Fica evidenciado que o ato de desenhar, sobretudo no âmbito da ilustração de observação, é tão inerente e individual ao ser humano quanto a escrita ou a fala. Não existe não saber desenhar, existe desenhar da sua própria maneira. Apesar da relutância em aceitar que sabiam desenhar, muitos dos participantes desta saga se sentiram inclusive surpresos com o resultado que atingiram, formando um diversificado mosaico de estilos, visões, características e delírios, todos muito peculiares e originais entre si.
Como missão para o ano que está se iniciando, a entidade Zaso Corp. se compromete a levar esta prática adiante para o máximo de adeptos possíveis, para que, quem sabe, muitos funcionários de bares e estabelecimentos de embriaguez descubram o seu artista interior. Por isso, não deixe de ir ao seu boteco predileto, pedir aquela cana e solicitar encarecidamente para que aquele caridoso e atencioso funcionário, que lhe serve com tanta atenção, faça um desenho seu e de seus amigos.
Um excêntrico retrato da mais pura intimidade da alma, um desenho não por traduzir a visão mas por toda a tradução situaria da situação. Esta lenda tem tudo para se tornar real, eu como um adepto full-life do artificio desenhístico posso confirmar com precisão.
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