Em Busca do Japonês da Mala Motorizada

Fotos: LEANDRO FURINI | Texto/Fuleiragens Gráficas: JOE BORGES | Produção: DANIEL KUBALACK

Mais uma tarde de trânsito e suor no buço se passava na cidade de São Paulo. O fotógrafo, e súdito da entidade Zaso Corp., Leandro Furini sentava as nádegas no banco de trás de um automóvel pertencente ao aplicativo Uber. Despreocupado, olhava o movimento pela janela do carro, enquanto uma canção precária vazava pelo rádio. Descendo a Av. Cardeal Arcoverde, na divisa entre os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, os dois tripulantes da nave, piloto e passageiro, iam conversando sobre amenidades quando, de repente, o jovem motorista, que atende pelo nome de Tiago e possui banda de gênero rock, perguntou para Leandro se ele já havia visto um cidadão de origem nipônica flanando pela avenida em cima de uma mala motorizada. Sem entender absolutamente nada do que acontecia, o fotógrafo respondeu que não, procurando saber mais informações do assunto. O motorista apenas disse que já vira aquela figura excêntrica algumas vezes exatamente naquele ponto da rua em que estavam, montado em sua valise de viagem, numa velocidade suficiente para matar uma capivara. Perplexo, Leandro não conseguiu tirar a informação de sua cabeça, se perguntando incessantemente se aquela criatura seria real ou fruto de doce delírio por parte do motorista. Nascia uma lenda urbana. E como qualquer lenda urbana merece ser investigada com astúcia e álcool no sangue, ficou evidente que Zaso Corp. não poderia deixar barato e não mediria esforços para comprovar a existência do japonês da mala motorizada.

O Olho que Tudo Vê

Já com o conhecimento dos outros dois zasalhas, Jonas e Daniel, um plano fora traçado a fim de desvendar o mistério. O dia escolhido foi uma terça-feira de calor moderado, excelente para o uso de calças curtas. Daniel passou, de carro, na casa de Leandro no horário de almoço e de lá partiram para o prédio onde está localizada a sede brasileira do Google, uma pequena missão teria que ser feita antes do grande evento. Sem a presença de Jonas, que estaria em regime de trabalho remunerado intenso o dia todo, a idéia era conversar sobre uma das maiores invenções da era contemporânea: o Street View. Fascinados com a possibilidade de dar aquela banda por estradas, avenidas, ruas, ruelas e becos de cidades espalhadas por todo o planeta, sem a necessidade de sair de casa, os zasalhas tinham o antigo desejo de fazer uma matéria relacionada ao assunto, principalmente se fosse possível dar uma volta de Googlemóvel. Porém, ao se identificarem na portaria do prédio, sentiram o gosto amargo da derrota, sendo prontamente barrados. Era necessário ter algum contato dentro da empresa para poder entrar.

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1ª Parada: Prédio do Google, São Paulo, SP, Brasil. Status: Barrados. Nível de álcool no sangue: Zero.

O Primeiro Relato

Esperançosos pela missão maior, Leandro e Daniel entraram no Ford Ka 1.0 de cor branca mais querido do Brasil e iniciaram a empreitada em busca do antológico ser motorizado, partindo da abarrotada região do Itaim para o epicentro do terremoto, o bairro de Pinheiros. Eram 15h30 quando os correspondentes embarcaram em um bar da tão mencionada Cardeal Arcoverde, bem onde ela faz esquina com a Rua Mateus Grou, eleita por influenciadores de pica murcha como a rua mais cool de São Paulo. Assentando-se para iniciar a caça, Leandro iniciou os trabalhos pedindo uma esfirra. Faminto, aguardou ansioso a chegada do alimento. Enquanto aguardavam, resolveram puxar assunto com dois funcionários do local que estavam observando-os. O primeiro era um jovem que aparentava seus vinte e tantos anos, de pele morena e semblante tímido. O mesmo limpava uma grelha de espeto quando foi abordado. Assim que perguntaram se ele sabia do paradeiro do japonês da mala motorizada, um outro homem, mais velho, encostou ao lado dos jovens, como que sondando a área. Era Juarez. Assumindo o controle da situação, respondeu que já viu o excêntrico homem sim, e que se trata de um asiático jovem, da mesma idade que os correspondentes de Zaso Corp., ou seja, pra lá de seus vinte e todos os anos. Segundo ele, todos os dias úteis, por volta das seis horas da tarde, o sujeito passa em frente ao bar, subindo a avenida sentido metrô Clínicas. O funcionário mais novo confirmou a história, sem parar de esfregar a grelha. Perguntados sobre o aparato motorizado, os bons homens afirmaram que se tratava de uma espécie de roda com motor, completando, com certo grau de certeza, que o veículo deve ser de origem japonesa. Apesar de vagas, as informações foram importantes para confirmar que, possivelmente, a lenda era uma baita de uma verdade. Ainda durante o papo com os solícitos homens, a esfirra de Leandro chegou na mesa. Quando se deparou com a presa, ficou impressionado, a área útil do salgado era quase a mesma que a de um roedor de médio porte. A satisfação podia ser vista em seus olhos. A primeira mordida já fez com que seu pé esquerdo afundasse em uma poça de decepção, o alimento estava duro e de difícil acesso ao conteúdo, revestido por uma casca torradaça. Nada que impedisse o fotógrafo de comer o salgado por inteiro. Para acompanhar o entrave, um litrão de Skol mais do que merecido foi pedido.

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Resquícios do que um dia foi uma tremenda esfirra.
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O solícito, e levemente arisco, Juarez disse que o japonês da mala motorizada é jovem, mais ou menos da mesma idade que os zasalhas, e passa todos os dias em frente ao seu bar, subindo a Avenida Cardeal Arcoverde sentido metrô Clínicas. Disse também que o veículo dele é uma espécie de roda com motor e que deve ser de origem japonesa. Seu companheiro de serviço, que esteve ao seu lado respondendo às perguntas, não quis ser fotografado e nem identificado.

As respostas obtidas não chegaram a ser bombásticas, porém, foram importantes para manter o ânimo dos zasalhas em busca da figura folclórica. Algumas informações confundiram a mente de Zaso Corp. por serem um tanto diferentes das providas por Tiago, o nobre motorista d’Uber. Os funcionários do bar afirmaram que o veículo era uma espécie de monociclo, sendo que em nenhum momento citaram qualquer valise. Apenas por desencargo de consciência, Leandro mandou uma mensagem para o motorista. Quase que instantaneamente, o roqueiro respondeu-o, a princípio sem reconhecê-lo, mas não tardando a lembrar da situação e contribuir em forma de mensagem com a busca.

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2ª Parada: Boteco ao lado d’Martelinho Ligeiro, São Paulo, SP, Brasil. Status: Confusos. Nível de álcool no sangue: Baixo.

Atitudes Suspeitas

Alguns passos na mesma calçada foram suficientes para que Daniel e Leandro estacionassem seus corpos há um comércio de distância de onde estavam. O local escolhido para continuar a saga foi o Bar do Baixo. Ao chegar, viram uma senhorita atrás do balcão. Ao se dirigirem até ela para perguntar sobre o procurado, receberam indagações de dúvida, a moça nunca havia visto a figura tecnológica, apesar de estar todos os dias, praticamente, no local. Enquanto os zasos conversavam com ela, um homem no alto de seus quarenta e poucos anos de idade, de semblante sério e porradeiro, saiu de dentro da cozinha para ver o que acontecia. Na realidade, ele sabia muito bem o que estava acontecendo. Assim que deu as caras, já chegou fazendo sinal negativo, mexendo um de seus dedos indicadores de maneira efusiva, como que expulsando os jovens intrometidos. Sem desgrudar o olhar matuto dos emissários, apenas observava-os sem proferir uma palavra. Sentindo que não estavam sendo bem quistos no local, os zasalhas resolveram sair do bar, foi então que Leandro lembrou-se de tirar uma foto de dentro do estabelecimento. Assim que pisou novamente no boteco, ouviu o sisudo funcionário falando baixo atrás do balcão, como que sussurrando em código. Intrigados, Leandro e Daniel se aproximaram do homem, que passou a falar gradualmente mais alto, mas sem deixar de ter um tom de voz baixíssimo, afirmando que sabia quem era o procurado por Zaso Corp.. Com súbita convicção, como quem vence um medo interno e desata a falar, disse que o cidadão em questão flana por ai em uma mala com uma roda, acrescentando, inclusive, que ele trabalha próximo à FNAC da Pedroso Alvarenga, relativamente próximo de onde estavam, no sentido Faria Lima. Como ele sabia daquilo? Por quê não falara logo de cara? O que levou-o a mudar tão repentinamente de atitude? Eram perguntas que ficariam no ar. Aquela situação estava recheada de mistério. A moça por trás do balcão apenas observava tudo inocentemente. Para finalizar o relato, o cidadão falou que ele é japonês e sua mala também é. Os zasalhas se olharam espantados com a repentina colaboração, apenas agradecendo-o e indo embora sem sequer consumir uma gota d’álcool. Ainda deveras arisco, o honesto trabalhador se recusou a dar entrevista e posar para uma foto. Tudo bem, sua contribuição fora essencial para o mosaico que vinha se formando. Para finalizar a intensa estadia, receberam alguns vouchers de uma casa de massagens localizada no bairro do Socorro, prontamente guardados com carinho nos bolsos dos detetives.

Juntando as peças que tinham, os zasalhas perceberam que não haviam dúvidas da descendência asiática do procurado. Porém, algumas questões, como o veículo utilizado por ele, seu índice de massa corporal e o horário correto de sua passagem ainda estavam em aberto. O tempo ia passando e a eminência do surgimento da lenda ia ficando cada vez mais viva.

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3ª Parada: Bar do Baixo, São Paulo, SP, Brasil. Status: Intrigados.  Nível de álcool no sangue: Baixo.

Sobre Malas e Motores

O relógio apontava para quase 17h, os zasalhas resolveram descer a avenida um pouco mais até o Bar do Raimundinho, que ficava do mesmo lado da calçada, quase na esquina com a Rua Fradique Coutinho. Como você, atento internauta, já pôde perceber, os jovens detetives estavam mirando exclusivamente bares e locais de venda de bebida alcóolica. Coincidência? Eu acho que sim. Ao pisarem no estabelecimento em questão,  se depararam com o funcionário responsável pelo local limpando a chapa, se tratava de Ronaldo. Ao ser perguntado sobre o paradeiro do procurado, disse que realmente se trata de um descendente de asiáticos, de formato físico parrudo, e que passa em frente ao seu bar quase que diariamente em cima de uma mala motorizada redonda e com dois pedais. Segundo ele, o rapaz passa zunindo pela calçada num pau da porra, como o próprio definiu. Detalhista, ainda afirmou que o homem muitas vezes passa por lá vestindo trajes sociais, de camisa azul clara e calça azul escura, por vezes vidrado em seu smartphone, muito provavelmente dando aquele confere em aplicativos de paquera. Segundo Ronaldo, ele já vem dando o ar da graça pela região há anos, um tanto atrapalhado no começo, mas depois de um certo tempo tendo pego o jeito da coisa. Novas e ricas informações estavam sendo acrescentadas à pasta investigativa de Zaso Corporation. Ronaldo se mostrou o mais solícito de todos os entrevistados até então.

Como não poderia deixar de ser, em mais uma dessas coincidências da vida, os jovens pediram encarecidamente que o nobre funcionário trouxesse-lhes duas latas da cerveja Skol. A todo momento, Daniel e Leandro se mantinham vidrados na rua, preparados para pular heróicamente na frente do japonês turbinado, caso o mesmo surgisse impávido nas calçadas da avenida. Era chegado o momento de partir para o próximo recanto, o agradecimento à Ronaldo era de grande intensidade. Foi com entusiasmado gesto que os zasórios se despediram do novo amigo. Levando, mais uma vez, em forte consideração as palavras de Tiago, que afirmou claramente que o procurado costuma vir pilotando seu artefato pela Mourato Coelho e virar a Cardeal em direção ao Hospital das Clínicas, os zasalhas planejaram descer exatamente para esta esquina. Seria, em tese, o melhor lugar para encontrar o lendário.

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Ronaldo, o solícito funcionário do Bar do Raimundinho, foi o mais solícito entrevistado até então. Acrescentou informações vitais, como o fato do japonês motorizado ser de tipo físico parrudo, sua mala motorizada ser redonda (possuindo dois pedais) e que o excêntrico homem costuma passar em frente ao seu bar pela calçada trajando roupas sociais e, muitas vezes, vidrado em seu smartphone.

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4ª Parada: Bar do Raimundinho, São Paulo, SP, Brasil. Status: Esclarecidos. Nível de álcool no sangue: Encaminhado.

O Observatório

Enfim, chegaram  ao Copo a Copo Bar & Lanches. Formado por azulejos azul-marinho e com tradicionais mesas vermelhaças do lado de fora, o boteco era o melhor ponto para que os zasalhas pudessem esperar pela aparição da lenda. Praticamente um camarote. Ao olhar para dentro do recinto, se depararam com três funcionários um tanto quanto ociosos e mal-iluminados. Questionados sobre o homem da valise motorizada, afirmaram não saber do que se tratava, para confusão mental dos juvenóides. Ou aqueles cidadões estavam escondendo o ouro ou o rapaz motorizado se teletransportava para outra dimensão pouco antes de passar pelo bar em questão. Além de afirmarem não ter conhecimento da figura, apontaram em direção a um ferro-velho, falando que lá haveriam pessoas aptas a ajudá-los. Seria apenas uma manobra barata para despistar a atenção de Zaso Corp.? A desconfiança era intensa. Duas latas foram pedidas como forma de protesto, não era possível que os jovens perderiam o japonês motorizado de vista. Ao lado da estufa de salgados, que possuía algumas espécimes de atratividade regular, uma promoção de lanche de mortadela chamava a atenção, mas não o suficiente para desviar Leandro e Daniel de seu único e exclusivo foco.

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Dos Latas.
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5ª Parada: Copo a Copo Bar & Lanches, São Paulo, SP, Brasil. Status: Duas latas. Nível de álcool no sangue: Acolchoado.

Seu Roberto, o Jornaleiro

Com um olho na lata e outro na rua, os correspondentes de Zaso Corp. foram subindo novamente a Cardeal, de volta para onde estavam. O receio de perder a lenda de vista assustava. Em meio ao fim de tarde, que já vinha começando a dar as caras, uma banca de jornal chamava a atenção de Daniel e Leandro. Sua localização seria ideal para a visualização do portador da valise motorizada, era uma questão de torcer para que o guardião da banquinha já tivesse visto a figura.

Ao se aproximar da banca, avistaram um senhor de óculos e roupas de tonalidade pastel. O homem se assemelhava muito a um jornal, por estranho que parecesse. Talvez o contato entre ele e as publicações fosse tão grande que ele estivesse se tornando uma. Não chegava a ser preocupante, afinal, existem pessoas parecidas com coisas muito piores. Jornais são muito ótimos, diga-se de passagem. Se tratava de Roberto, tradicional jornaleiro do bairro. Perguntado acerca da figura motorizada, observou os jovens por cima de seu estreito óculos, afirmando que já viu-a várias vezes. Os olhos d’zasos brilharam. Seu relato foi muito semelhante ao de entrevistados anteriores, dizendo que se tratava de um japonês meio fortinho, como ele mesmo falou, e que passava pela calçada muito rápido. Assim como Ronaldo, o jornaleiro afirmou que no começo, há cerca de um ano, o cidadão era um tanto atrapalhado em cima do veículo, pegando o jeito da coisa com o passar do tempo. Mais do que nunca, soava ainda mais estranho o fato dos funcionários do bar anterior, tão vizinhos da banca de jornal, nunca terem visto a lendária criatura.

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Roberto, tradicional jornaleiro do bairro de Pinheiros, afirmou já ter visto várias vezes o procurado por Zaso Corporation. Assim como em relatos anteriores, disse que ele sobe a Cardeal pela calçada, com rapidez, e que só ao longo do tempo foi se tornando habilidoso na arte de pilotar valise.
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6ª Parada: Banca do Seu Roberto, São Paulo, SP, Brasil. Status: Atentos. Nível de álcool no sangue: Perceptível.

Fechou o Tempo

Já não restavam dúvidas de que a lenda era real, faltava apenas o fatídico encontro. A fim de dar um tempo e observar o movimento, os emissários sentaram na esquina da Rua Fradique Coutinho com a Cardeal, ao pé de uma farmácia fechada. Munidos de mais duas latas, assim que encostaram a bunda no degrau, viram o tempo fechar quase que instantaneamente. O céu escureceu e o humor de Daniel e Leandro teve uma derrocada repentina. Os dois, que estavam alcoolizados e falantes, de repente se viram abatidos, conversando apenas o necessário para sobreviver. Uma dor de cabeça se abateu sobre Daniel, enquanto Leandro ficou com intensa vontade de urinar. A alguns metros dos jovens, três mendigos degustavam um loló como se não houvesse amanhã. Foi então que um humilde carroceiro se aproximou dos dois, contando-lhes, de maneira entusiasmada, que estava pretendo comprar a carroça de um dos moradores de rua citados anteriormente. Amarrada a um poste próximo da esquina, estava o veículo, todo feito de ferro e em ótimo estado. O adulto pretendia juntar quinhentos mirréis para concretizar o negócio. Parecia digno. Com a aprovação dos zasalhas, o entusiasmado homem foi andando em direção à sua futura aquisição. Enquanto observavam o homem se afastar em direção ao poste, os correspondentes se levantaram, olharam confiantes para a outra esquina, a fim de visitar mais um boteco e partiram em sua direção para, quem sabe, coletar mais algumas valiosas informações.

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7ª Parada: Esquina da Fradique Coutinho com a Cardeal, São Paulo, SP, Brasil. Status: Borracha fraca. Nível de álcool no sangue: Churrasco da firma.

Abriu o Tempo

Com a cabeça erguida e a certeza de quem não deve nada a ninguém, os detetives falcatrueiros atravessaram a rua em direção a um estabelecimento do outro lado da esquina. Ao chegar ao boteco, uma série de eventos esdrújulos aconteceram em sequência, a poucos metros de onde se encontravam. Primeiro, uma mulher adulta, trajando vestes de quem mora nas redondezas, quase foi atropelada por um carro e, em seguida, por um carrinho de supermercado, guiado por um rapaz inocente. Enquanto ainda digeriam o acontecido, um cidadão de índice de massa corporal avançado e muito semelhante ao vilão do desenho Spawn, aquele que é um palhaço macabro e de cabelos alucinantes, cruzou-lhes o caminho. Um tanto atordoados, voltaram-se para o interior do bar de esquina, encomendando duas latas e perguntando ao atendente se ele sabia do paradeiro do japonês da mala motorizada. Nada cooperativo e com elevado grau de ironia, respondeu, a princípio, que viu ele uma vez há muito tempo e que ele deve estar no Japão comprando outra mala igual. Bizarramente, o mesmo funcionário afirmou, poucos instantes depois, que viu o rapaz ontem, deixando os emissários de Zaso um tanto confusos. Sem vontade de questionar e permanecer no local, abraçaram as duas latas e foram embora, mas não sem antes pagar pelo produto.

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Este homem não se identificou, apesar de aceitar tirar uma fotografia. A princípio, firmou que já viu o japonês da mala motorizada há muito tempo atrás, afirmando que ele deveria estar no Japão comprando outra. Instantes mais tarde, afirmou que viu-o no dia anterior à visita de Zaso Corp.
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Due Lattine.
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8ª Parada: Boteco do outro lado da esquina em que o carroceiro disse que queria comprar a carroça de ferro de um dos moradores de rua da região por 500 reais, São Paulo, SP, Brasil. Status: Duas latas. Nível de álcool no sangue: Blota Filho.

O Bom Filho a Casa Entorna

Já de ânimos retomados e sem deixar de prestar atenção à possível aparição do buscado, os nossos correspondentes pisaram novamente no bar em que Ronaldo os atendeu uma hora antes, o Bar do Raimundinho. Logo de cara, o funcionário já perguntou se eles haviam cumprido sua missão. Os zasalhas disseram que não, mas que ainda tinham esperanças. Munidos de mais duas latas, que virariam quatro e em seguida seis, Leandro e Daniel viam as dezoito horas passarem em frente a seus olhos. Nada do lendário aparecer. Os dois se alcoolizaram durante cerca de meia hora em frente ao bar, estavam sentindo que a missão estaria para terminar. Muitas indagações passavam pela cabeça dos zasalhas. Começava a ficar irritante o fato da maior parte dos questionados já terem, ou supostamente terem, visto o asiático turbinado (inclusive exatamente no horário em que os zasalhas se encontravam) e os próprios não terem conseguido nem um gostinho. Após uma conversa amena com Ronaldo sobre o assunto, sempre de olho em qualquer movimento abrupto, resolveram se despedir, descendo novamente para a esquina da Mourato Coelho com a Cardeal, onde além de consumirem duas latas, tiveram a decepção de não ver o tão arisco japonês.

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9ª Parada: Bar do Raimundinho, mais uma vez, São Paulo, SP, Brasil. Status: Nível de álcool no sangue. Nível de álcool no sangue: Vox Popoli.

Onde há Fumaça, há Fogo

Ao descerem novamente para a esquina prometida, os zasalhas subitamente resolveram mudar de curso, parando em um bar grudado ao Copo a Copo Bar & Lanches, conhecido popularmente como O Bom da Vila. Uma mulher adulta se via postada no local, esperando para atender a clientela da maneira mais aprazível possível. Ao entrar no lugar, perceberam que a decoração psicodélica, com grafismos orgânicos e luzes levemente baixas, era deveras hipnotizante. Após um momento de distração, voltaram a atenção para a senhora, perguntando a ela se havia alguma informação sobre o japonês da valise. Ao contrário de seus vizinhos, a mulher declarou que já havia visto o rapaz sim, enfantizando, inclusive, que ele tinha um companheiro. Segundo ela, um homem loiro e acima do peso também passa pelo mesmo local em cima de uma mala motorizada. Essa informação foi absolutamente avassaladora para Leandro e Daniel, que pediram incessantemente mais informações sobre os dois. Com visível sinceridade, a mulher, que não se identificou e nem aceitou tirar foto, falou que não tinha maiores informações, mas estava adorando a busca que Zaso Corp. estava empreendendo. O clima de mistério voltou a pairar no ar e a sensação de que os funcionários do bar vizinho estavam escondendo algo ficou mais intensa. Extremamente agradecidos e agraciados, os dois correspondentes voltaram-se para a calçada. A esperança agora era dobrada, de encontrar algum dos seres sobre rodas. Assim que pisaram o pé novamente na rua, perceberam que o céu estava alaranjado de uma maneira completamente atípica, como se um grande holofote com filtro laranja estivesse por trás das nuvens daquele fim de tarde. O resultado ajudou os jovens a retomarem a esperança em encontrar o homem mais procurado daquele quarteirão.

10000271330023vJá um tanto alcoolizados, os zasalhas andaram cerca de dezesseis passos até, novamente, o balcão do bar vizinho. Ao chegarem ao estabelecimento, pediram o dobro de uma lata de Skol e tentaram puxar mais um assunto com o atendente que estivesse mais disponível. Ainda arisco mas um pouco mais acessível, o funcionário apontou para um carroceiro, que não é o mesmo que queria tanto comprar a carroça de ferro de seu amigo. Ao passo que o carroceiro se aproximou, foi perguntado se possuía informações que pudessem levar Zaso Corp. ao paradeiro do japonês, ou de seu companheiro de esporte. Humildemente, mas demonstrando conhecimento de causa, o carroceiro disse que sabia quem eram, lembrando até mesmo com mais detalhes do “gordinho”, como ele mesmo se referiu, de cabelo liso, que, segundo ele, não é japonês, ou seja, se trata do novo integrante da saga. Para finalizar, disse que nunca viu os dois juntos ao mesmo tempo. Praticamente no momento em que terminou de contar sua versão da história, uma chuva, que começou fina antes de ganhar corpo, passou a castigar a cidade. Aquele momento representava o fim da empreitada de Zaso Corp. naquele dia.

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10ª Parada, que é quase igual à 5ª Parada, inclusive é o mesmo mapa: O Bom da Vila/Copo a Copo Bar & Lanches, São Paulo, SP, Brasil. Status: Chuvoso. Nível de alcool no sangue: Clóvis Bornay.

A busca fora intensa e edificante, porém, sem resultados até aquele momento. Olhando para a chuva, os zasalhas concluíram que nenhum dos dois entusiastas de uma valise com rodas iria dar as caras naquele momento. Um importante saldo fora tirado daquela experiência, sobretudo com relação a um retrato quase realista que ia se formando acerca da lendária figura sobre roda. Em suma, se tratava de um descendente de asiático, de estrutura física parruda, cabelos lisos e pretos, cerca de vinte muitos anos de idade, que passa quase que diariamente pela Avenida Cardeal Arcoverde, montado em uma espécie de valise motorizada com uma roda e dois pedais, em que ele atinge velocidades paposas. Geralmente trajando roupas sociais de tons azul claro, para a camisa, e azul escuro, para as calças, supostamente trabalha em um prédio comercial na frente da FNAC da Rua Pedroso Alvarenga. Muitas vezes vidrado em seu celular, foi melhorando sua performance motorizada ao longo de mais de um ano em cima da valise. Segundo comerciantes da região, o homem era atrapalhado no começo, mas, depois de um certo tempo, dominou a arte de pilotar a mala motorizada. Curiosamente, a maior parte dos entrevistados não teve dúvidas de que o veículo é de origem japonesa, fortemente influenciados pela etnia de seu piloto. Com base no que foi vivenciado durante a intensa busca pelo folclórico homem, nossa equipe de profissionais treinados e especializados gerou um relato visual de altíssimo realismo do que poderia vir a ser o japonês da mala motorizada. As imagens são fortes e podem causar desconforto em pessoas mais sensíveis.

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Uma Nova Aurora

Duas semanas se passaram, enquanto as análises coletadas eram incessantemente estudadas e arquivadas nos laboratórios secretos d’Zaso Corp. Em nova terça-feira, por volta das 17h, mais uma vez Daniel Kubalack e Leandro Furini resolveram desafiar a sorte e voltar aos mesmos locais onde estiveram, re-abastecidos de nova empolgação em encontrar o japonês da mala delirante.

A primeira parada foi justamente a mesma que no primeiro dia de empreitada, na casa de álcool colada ao temido e respeitado Martelinho Ligeiro. Logo que chegaram, perguntaram para Juarez se ele tinha visto o procurado recentemente. O atendente disse que não o via há um bom tempo, muito provavelmente desde que os zasalhas abordaram-no pela primeira vez. Farejando o mistério, Daniel e Leandro aceitaram a informação e pediram o popular litrão de cerveja Skol, para ser degustado em paz. Traumatizado pela esfirra de procedência fecalóide, Leandro apenas fitou a estufa de salgados por curiosidade e esporte. A fim de tomar uma bebidinha quente, perguntou para Juarez quantos golpes custava a caipirinha do lugar. Informado de que o beberico custava dez reais, pediu um espécime. Ao se deparar com o copaço bem servido, resolveu provar o elixir, constatando imediatamente que o mesmo era praticamente pinga com limão e açucar. Ao longo de meia hora, enquanto observavam atentamente a rua, Daniel e Leandro iam consumindo álcool a espera de um milagre.

Como tudo que é bom tem um fim, e todo fim é um novo começo, chegara a hora de partir daquela bar, o litrão e a caipirinha haviam acabado. Os zasonautas desceram diretamente para o Bar do Raimundinho, por onde desenvolveram grande carinho. Logo que pisaram no comércio, foram prontamente atendidos por Ronaldo, que lembrou-se de Leandro e Daniel imediatamente. Como não poderia deixar de ser, os jovens investigantes perguntaram o paradeiro do japonês. Assim como Juarez, Ronaldo lhes respondeu a mesma coisa, que não o via há um bom tempo, provavelmente desde a última visita dos jovens. Sentindo um frio na espinha, os emissários de Zaso Corp. passaram a estranhar a situação de maneira séria, temendo pela saúde física, mental, espiritual e financeira do asiático motorizado. Duas latas de Skol foram necessárias para aliviar o baque.

Leandro e Daniel continuaram a peregrinação fazendo praticamente o mesmo calvário. Tendo descido um pouco mais, chegaram à banca de jornal de Seu Roberto. As palavras do nobre senhor foram as mesmas que as dos perguntados arteriormente, golpeando com força a carcaça dos jovens zasólas. Apesar da chateação, não puderam deixar de notar que o senhor estava mais semelhante a um jornal impresso do que nunca.

Meio quarteirão para baixo, do mesmo lado d’calçada, e já com a noite reinante, chegaram novamente ao Copo a Copo, o observatório e melhor ponto para assistir de camarote a possível passagem do glorioso. A caipiraça já batia forte na mente dos bons rapazes, ao ponto de dar aquela baleada nos reflexos. A desmotivação por conta dos relatos de sumiço era perceptível. Os funcionários daquele bar também lhes disseram que não viram o japonês passando mais. A probalidade de não encontrar o jóia rara mais uma vez ia ficando eminente. Quando atingiam o auge do dessabor, observaram que havia um homem de origem nipônica, e que tinha exatamente as descrições coletadas acerca do japonês motorizado, parado na esquina. Num intenso impulso, Daniel se levantou de sua cadeira de plástico vermelha e foi conversar com o homem, recheado de uma emoção gasosa. Ao abordar o adulto de cerca de trinta anos de idade, recebeu uma reação um tanto desleixada, o cidadão apenas ateu-se a balançar a cabeça, como se Daniel estivesse louco, e se despediu dizendo que não era ele. Não foi muito convincente. Confiante, o transeunte atravessou a rua e entrou em uma pequena academia da modalidade de artes & lutas Aikido. Daniel voltou cabisbaixo dizendo que não se tratava do homem, enquanto Leandro insistia que ele era o procurado sim. Um debate acerca do ocorrido tomou corpo, os zasalhas precisariam quitar seus débitos alcóolicos no boteco e atravessar a rua em direção à academia.

Apesar da vigília, seria no mínimo psicopata ficar esperando novamente o homem de origem asiática sair do intenso treino para abordá-lo novamente. Daniel e Leandro até mesmo cogitaram entrar na academia para trocar mas uma palavra com aquele cidadão, mas a eminência de sofrer agressão física acabou por detê-los. Se aquele cidadão era realmente quem Zaso Corp. achava que era, a única maneira seria pegá-lo no pulo em cima de seu veículo futurista. Chegando a esta conclusão, e realizando emocionado relato em video, os zasalhas se entreolharam e resolveram ir embora. A batalha não estaria perdida. O que poderia ter acontecido com nosso herói? Novo emprego? Problemas técnicos com o veículo? Acidente? Ou apenas mudança de caminho? Os zasalhas sentiam um estranho sentimento de saudades de alguém que nunca sequer conheceram, um misto de sensações extremamente confuso e dilacerante tomava conta dos nossos detetives. Uma nova aurora estaria por vir, ao menos, é o pensamento que lhes reconfortava.

Se você, webnauta, tiver qualquer informação que possa nos levar ao paradeiro do japonês da mala motorizada, entre em contato conosco através de nossas redes sociais, melhor opção, ou e-mail, zasocoporation@gmail.com, que costumamos abrir a cada três meses. 

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2 respostas para ‘Em Busca do Japonês da Mala Motorizada

  1. Eu vi esse cara na Avenida Doutor Arnaldo. Não é exatamente uma mala, é uma espécie de hoverboard esquisito. Entendo que possa ser confundido com uma mala porque ele realmente passa muito rápido e não dá para discernir direito que tipo de objeto é. Deve ser divertido andar naquilo.

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  2. Hoje, apenas um dia após concluir a leitura de tão nobre web-epístola Zazoide, pude presenciar um homem adentrando as dependências da minha estação de metrô local a bordo de uma mala motorizada. Não era nosso adorado e idealizado japonês, mas não consigo interpretar o ocorrido de outra maneira que não um sinal divino de que a nipônica e já lendária figura vive em algum lugar além dos nossos corações.
    Saudações, Zaso.

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