Jornal nas Estrelas – Adentrando o Mundo da Entrega de Jornais na Madrugada

Fotos: LEANDRO FURINI | Texto e Gráfico: JOE BORGES | Produção: DANIEL KUBALACK

Em uma certa noite, ao voltar de uma farra jovem com seus amigos, o fotógrafo zasóide Leandro Furini se deparou com uma Kombi branca parada em frente ao prédio em que reside. De dentro dela, uma figura saltou agilmente, arremessando um jornal ao pé da portaria. Num misto de fascínio e epifania, o jovem resolveu puxar uma palavra com o entregador, movido pelo puro desejo de desvendar os mais ocultos segredos que a entrega de jornal teima em esconder. Imediatamente, a idéia de um relato zasóico veio à tona. Uma rápida conversa fez com que ele conseguisse o telefone do entregador, que apressadamente foi embora, junto com seu companheiro de empreitada, o motorista do veículo.

No dia seguinte, Leandro resolveu compartilhar a idéia com os outros integrantes d’Zaso Corp., Jonas Borges e Daniel Kubalack, propondo a investigação. Evidentemente, bateram o martelo, se compadecendo também das milhões de pessoas que não fazem idéia de como é possível que seu querido jornalzinho esteja de manhã aos seus pés. Com os dados colhidos por Leandro em mãos, o produtor Daniel foi atrás de alguma empresa que pudesse ajudá-los a realizar este lindo sonho delirante. Em poucos dias, obteve a resposta da solícita SPDL, a São Paulo Distribuição e Logística, sob os cuidados de Mauricio Rodrigues, representante e gerente de planejamento da empresa. Ao saber da intenção dos jovens, o funcionário se sentiu empolgado em deixar que Zaso Corp. viesse visitar sua mais eficiente filial de distribuição, a Centro-Leste, localizada no Parque Novo Mundo, próximo dos entornos da lendária cidade de Guarulhos. Mauricio logo agilizou que os jovens viessem até o local e embarcassem em um dos veículos de distribuição. Mal podiam acreditar. Uma reunião de pauta, entre os zasalhas, definiu que o dia da visita proposto seria uma sexta-feira, para evitar que qualquer um dos envolvidos tivessem problemas com seus respectivos empregos, o que poderia acarretar no popular olho da rua. As negociações foram concluídas, e a expedição fora devidamente autorizada. O comboio partiria de São Paulo, mais precisamente do bairro da Vila Nova Conceição, com destino ao, já mencionado, Parque Novo Mundo. A previsão de chegada seria  uma da mamãe.

No período conhecido como noitaça, os jovens se encontraram em seu tradicional bar de reuniões, localizado nos entornos da Avenida Brigadeiro Luis Antônio. Naquele momento, o relógio acusava vinte e uma horas. Bebericaram e consumiram belisquetes, enquanto confirmavam a melhor maneira de abordar a situação. Com as perguntas já devidamente transferidas da mente para a ponta do lápis, pelo zasalha Jonas, era hora de partir para o endereço da filial Centro-Leste. Um tempo considerável se passou até que o estalo da partida desse as caras, era chegada a hora. O GPS apontava cerca de meia hora para que os jovens chegassem ao local, ao passo que a meia-noite já ficara para trás havia um punhado de minutos. Seria o tempo ideal para chegar ao destino, ter uma acalorada conversa com os responsáveis pelo planejamento da unidade e, então, embarcar devidamente madrugada adentro, à bordo de uma carismática Kombi de cor branca.

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O caminho foi longo, mas nada que o motorista da rodada, Daniel Kubalack, não tirasse de letra com seu possante, e já conhecido do leitor assíduo, Ford Ka. Rodando pela região repleta de galpões, matagal e armazéns, ao pé da Rodovia Presidente Dutra, finalmente chegaram à terra prometida, com certa dúvida em relação a estarem certos. Nada que aquela perguntada clássica para pessoas aleatórias não resolvesse, um grupo de funcionários de outra distribuidora vizinha mostrou-lhes onde era o galpão da SPDL. Tendo confirmado que era ali mesmo, puderam observar que havia um aglomerado de motos na entrada, ao passo que cerca de cinco pessoas estavam paradas, juntas, no local. Zaso Corp. se manteve parado em uma vaga livre do estacionamento do galpão, havia chegado um pouco antes do horário marcado. Intrigada, uma senhorita de porte avantajado veio lentamente em direção ao automóvel. Os zasalhas observavam-na. Ela sabia, obviamente, que aquele carro não era de um funcionário do local. Ao chegar ao pé da janela do passageiro, onde Jonas se encontrava, indagou aos jovens se estavam à procura de alguém, se mostrando mais simpática do que parecia durante sua aproximação. Evidentemente, disseram que haviam ido conversar com o anfitrião Mauricio, para uma entrevista jornalística bombástica. Abrindo sorriso sincero, e confiando na palavra de Zaso Corp., disse que ele já estava lá, em seu escritório, afirmando que eles poderiam entrar e ir falar com ele. Ajeitaram-se, então, para adentrar o local, com cadernos, canetas, mochilas e celulares devidamente posicionados para gravar os mais tenros relatos. Um novo mundo estava para ser descoberto.

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Filial Centro-Leste da SPDL, a São Paulo Distribuição e Logística.

A Filial

Ao entrarem no enorme galpão, os jovens se depararam com duas grandes fileiras de bancadas, que pareciam comportar até dez pessoas, e alguns poucos funcionários perambulando entre elas. Um espaço considerável entre uma e outra mostrava que o fluxo de pessoas devia ser grande, e que cada bancada parecia ter espaço para um veículo de distribuição estacionar tranquilamente ao seu lado. Devidamente orientados pela moça que veio lhes atender, foram se dirigindo para uma escada bem aos fundos do espaço, ao lado de uma segunda entrada, tendo que atravessar o vasto campo de bancadas. A escada levava a um segundo andar, onde estaria Mauricio. Ao mesmo tempo que iam confiantes em direção ao destino, os jovens repararam que outros dois rapazes estavam se dirigindo para o mesmo local que eles, de maneira tão novata quanto. Pareciam estar indo à uma entrevista de emprego. Talvez estivessem mesmo, esta confirmação nunca ocorreu. Ao chegarem ao fim da escada, se depararam com uma porta cinza maciça, com aparelhagem de senha e tudo. Uns trinta segundos foram suficientes para que um solícito funcionário viesse lhes atender, decifrando o código da porta, que soltou o mais clássico som de bomba sendo desarmada. O funcionário pediu encarecidamente para que os jovens aguardassem no grande e enjanelado salão em que se encontravam. O ambiente tinha bela vista para toda a área de bancadas do galpão. A vivacidade das luzes e a magnitude do local, que mais parecia um hangar, eram impressionantes. A uma da manhã ainda nem havia chegado.

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Antes do encontro entre os zasalhas e o grande anfitrião, é importante contextualizar o que vem a ser exatamente a SPDL, e sua função dentro do universo da entrega de jornais. A São Paulo Distribuição e Logística é aquilo que Zaso Corp. descobriu ser uma joint venture, ou seja, uma empresa que é uma fusão de outras duas empresas com um segmento específico. Mas quais empresas seriam estas? Nada mais nada menos que as dinossáuricas Folha de São PauloEstadão. Concorrentes editoriais históricas, resolveram, em 2003, se unir com o propósito de distribuir seus jornais de maneira unificada, criando uma terceira empresa, que no caso seria a SPDL. À época, a empresa estava no ápice de sua demanda, chegando a ter cerca de 1 milhão de entregas diárias, espalhadas por cerca de vinte franquias. Nos dias atuais, esse número foi reduzido a quatro, que possuem uma média de demanda diária, juntas, de 250 mil jornais. Dessas 250 mil, cerca de 60 mil saem diariamente da unidade Centro-Leste. Este número leva em consideração não só os dois jornais como as suas publicações adjacentes, da qual são donos. A Folha é detentora do Valor Econômico e o Agora, enquanto o Estadão atualmente está atuando sozinho, já que seu auxiliar, o Jornal da Tarde, fechou há mais de cinco anos. Além destes jornais, a distribuidora também trabalha com o Lance!, publicação independente. À princípio, a SPDL fazia apenas a parte de logística, contratando empresas específicas para cuidar da parte de distribuição. Tendo a sacada de que valia mais a pena fazer ambos os trabalhos por conta própria, há três anos vem administrando essa parte também. Em pouco tempo, a polêmica decisão se mostrou acertada, facilitando em muito a vida dos dois gigantes do ringue. Porém, a real grande diferença na vida da filial Centro-Leste, e consequentemente de toda a SPDL, foi a mudança de franqueado da unidade, há cinco anos atrás. Em anos anteriores, outra empresa de logística e distribuição detinha o gerenciamento do local, sendo logo espirrada por conta de sua flagrante falta de organização e mulambice. Assim que a SPDL assumiu a bronca, traçando consistente plano de organização e gestão, tudo mudou drasticamente. Em três meses, a filial Centro-Leste, que era tida como a mais desorganizada e improdutiva, se tornou a menina dos olhos da São Paulo Distribuição e Logística.

Os Três Mosqueteiros

Enquanto nossos jovens continuavam o aguardo, observando o vasto galpão através da janela, ouviram um inconfundível barulho de porta invadindo o recinto, de onde surgiu um homem simpático e que aparentava ter seus quarenta anos, vestido de maneira elegante, com uma camisa azul para dentro dos escuros jeans e um sapato lustroso. Sua endumentária era de deixar Fausto Silva com inveja. Era Mauricio, que veio diretamente na direção dos jovens, cumprimentando-os de maneira entusiasmada. Cordialmente, convidou-os para entrar em sua sala, que possuía três mesas com computadores, planilhas e aparatos de escritório. A mesa pertencente a ele era a do meio.

O gerente paulistano Mauricio Rodrigues, de 40 anos, é nascido no bairro do Tatuapé, em São Paulo, exercendo o cargo de gerente de planejamento da filial Centro-Leste do grupo SPDL. Bacharel em Direito e pós-graduado em gestão empresarial pela FATEC, veio para a empresa transferido do jornal Folha de São Paulo, onde já era gestor nas áreas de transporte. O são-paulino, apesar de não ser tão interessado por futebol, é pai de dois filhos, uma garota de dezenove anos e um menino de nove. Segundo o mesmo, afirmou que seus filhos e família já se adaptaram a seu horário da madrugada. Afinal, seus filhos nasceram, e foram criados, com seu pai já trabalhando na área, e nesta faixa de horário. Mauricio afirma já ter se acostumado completamente a trabalhar na madrugalha, onde se sente mais produtivo, ainda mais embalada por um rock clássico e, sobretudo uma MPB. Segundo ele, acha muito melhor fazer suas tarefas sem as maiores interpéries da vida cotidiana diurna, como trânsito, excesso de pessoas, calor, barulho e etcetera. O solícito gerente afirmou que seu cargo permite-lhe uma certa flexibilidade de horário, sendo que, em alguns casos, trabalha também de dia, apesar da preferência noturna. Quando perguntado sobre os prós e contras de seu trabalho, afirmou que tem muito orgulho de trabalhar para jornais que ele crê serem de credibilidade inabalável e de reconhecimento mundial. Em se tratando de contras, demorou, titubeou e rodopiou, mas enfim afirmou que acredita que a chuva é uma das piores partes do trabalho. Ressaltou, ainda, que achou curioso o choque cultural que sofreu com a fusão entre Folha e Estadão, afinal, ter trabalhado na Folha de São Paulo durante tantos anos lhe ensinou, fatalmente, a odiar o concorrente. Se pudesse definir seu trabalho em uma palavra, seria “comprometimento”. Por ser morador do bairro do Tatuapé, não demorou para engatar conversa com o produtor zasárdico Daniel Kubalack, oriundo da mesma vizinhança. Durante conversa sobre o assunto, Mauricio afirmou conhecer Seu Antonio, o dono da lendária, e visitada em matéria anterior por Zaso Corp., Casa do Churro.

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Mauricio Rodrigues, 40 anos, é natural de São Paulo, mais precisamente do bairro do Tatuapé. Há quase vinte anos trabalha com transportes, tendo migrado do grupo Folha de São Paulo para a recém-criada SPDL, em 2003, para exercer a função de gerente de planejamento. Foi um dos principais responsáveis pela implementação de nova metodologia de logística na distribuição de jornais da empresa. Entusiasta de Led Zeppelin, Scorpions, pizza, Claudia Raia e do filme O Menino do Pijama Listrado, o paulistano acha a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff feia. 

Os zasalhas estavam devidamente assentados, e interessadíssimos no que Mauricio dizia, quando de repente novo barulho de porta abrindo irrompeu no ambiente novamente. Dois homens adultos entraram na sala, falando diretamente com Mauricio, e prontamente sendo apresentados aos zasalhas. Se tratava de Flavio Megnis e Herbert Bertacco, os outros dois habitantes daquela sala, e que, junto de Mauricio, formavam a tríplice coroa do planejamento. Os três juntos foram responsáveis por uma verdadeira revolução no local, otimizando de maneira significativa a filial. Em meados de 2003, quando ocorreu a fusão responsável pela criação da SPDL, Mauricio veio se juntar aos outros dois, já veteranos da entrega jornal, criando uma verdadeira bomba de expertise, que apesar de ser uma palavra muito fecal, explica muito bem a situação. Uma das mudanças mais influentes que proporcionaram foi relacionada à maneira de utilizar o espaço. Antigamente, o galpão era praticamente tomado por carros estacionados, que ocupavam uma área muito além do necessário. Foi então que resolveram colocar as bancadas de montagem da maneira como são dispostas hoje, permitindo que os carros entrem apenas para serem devidamente abarrotados com as mercadorias necessárias. A medida também facilitou a fiscalização, já que do alto do escritório fica mais fácil observar quem está realmente trabalhando. Essa mudança por si só já fez com que a logística do local melhorasse muito.

Flavio Megnis, 47 anos, é natural de São Paulo, também do bairro do Tatuapé, apesar de ser filho de letões, que se instalaram na cidade nos entornos do Jardim Europa. O corintiano e entusiasta tanto de Talking Heads quanto de antigos hinos/ cânticos, sobretudo por conta de sua formação militar e cristã presbiteriana, é, atualmente gerente de planejamento na empresa. Funcionário desde sua criação, já estava trabalhando no local antes da SPDL se instalar no recinto, se unindo a Mauricio e Herbert imediatamente. Estando no ramo dos jornais há mais de vinte anos, foi um dos principais responsáveis por implementar um sistema praticamente militar que tirou a filial Centro-Leste do lugar de pior franquia do grupo. O ex-segundo tenente da reserva teve uma vida recheada de diferentes atividades, dignas do lendário Dedé Carvoeiro. De eloquência e conversa fácil, não teve o menor problema em colocar na roda suas mais variadas aventuras. Ainda na juventude, fez colégio ao mesmo tempo em que fazia curso de mecânica, conciliando ambos e se formando simultaneamente nos dois. Pouco depois, se alistou no exército, de onde levou apenas a doutrina, que muito lhe apetece. Por outro lado, acha que o sistema é sucateado e se sentiu frustrado com o que viu, afirmando não conseguir pôr em prática os ensinamentos da maneira que gostaria. Deixando de lado a carreira militar, partiu para o Mato Grosso, onde foi mexer com garimpo, durante dois anos. Por um tempo deu certo, porém, acabou falindo por questões pessoais. Já naquele tempo, morava com sua esposa no estado, onde constituiu família. Não satisfeito, se tornou administrador de hospital, ainda na capital matogrossense, tendo posteriormente investido dinheiro na campanha política de um amigo próximo, o que levou-o a quebrar as pernas novamente. Por motivos de pressões familiares, e cansaço da politicagem excessiva da cidade, acabou por voltar novamente para sua terra natal, São Paulo, onde se embrenhou no meio das entregas de jornais, de onde nunca mais saiu. A princípio começou como motorista entregador reserva, assim como a maioria dos envolvidos no ramo, tendo rapidamente se dado bem e, alguns anos mais tarde, aberto sua própria empresa de entrega de jornais, prestando serviço para aquela que viria a ser a SPDL. Na época, chegou a ter uma frota de doze motoqueiros. Com a criação da São Paulo Distribuição e Logística, não demorou para que acabasse subindo de cargo até chegar ao gerenciamento de planejamento de onde nunca mais saiu. Perguntado sobre o que pensa em relação ao trabalho da madrugada, afirmou de maneira categórica que gosta muito e não sente a menor falta de trabalhar de dia, sendo que sua família entende perfeitamente sua situação, apesar da relutância inicial. Realizado, sobretudo depois da melhora que houve em sua filial, Flavio afirmou que a palavra que define seu trabalho na SPDL é “performance”. Em sequência, ainda acrescentou que acredita que a palavra “equipe” também caia como uma luva no ambiente de trabalho que ele lida com tamanho pulso firme. Em se tratando das partes que acha mais difíceis de seu trabalho, afirmou crer que os problemas decorrentes das ocorrências e reclamações, sobretudo quando não fazem o devido sentido, acabam atrapalhando bastante o serviço.

O terceiro elemento da tríplice coroa do Planejamento é o piadista e espirituoso Herbert Bertacco, o caçula dos três. Aos 37 anos, o paulistano da Vila Carrão é formado na GV em Logística, o que garante-lhe o cacife necessário para lidar, sobretudo, com a distribuição dos pontos de venda e entrega de jornais. Na empresa há 5 anos, exatamente o tempo em que a SPDL está localizada no galpão em que Zaso Corp. se encontrava, já chegou logo trabalhando na madrugada, adaptando-se rapidamente à condição. Herbert é grande entusiasta de rock antigo, detestando funk pesado e, geralmente, aquilo que veio depois dos anos 2000. No terceiro casamento, na realidade em processo de separação, afirmou que sempre encarou com tranquilidade a lubata madrugadeira, sendo que, supostamente, sua família também. É entusiasta de filmes de “macho” como ele mesmo definiu, recheados de explosões e movimentos pélvicos heróicos. Perguntado sobre que palavra define seu trabalho, afirmou que “hobbie” lhe soa bem, pela maneira como se sente confortável em relação à sua função na empresa. Por fim, afirmou que a ex-prefeita Marta Suplicy parece um queijo derretido, informação polêmica porém completamente compreensível.

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Da esquerda para a direita: Flavio Megnis, 47 anos, é natural de São Paulo e já trabalhou com as mais diversas atividades, desde garimpo até administração de hospital. Atualmente, é gerente de planejamento, tendo sido um dos principais responsáveis por implementar um sistema de organização mais funcional e produtivo para a filial Centro-Leste, tornando-a a mais eficiente do grupo. Acha a Gisele Bundchen sensual e gosta de comer qualquer alimento que tenha passado pelo fogo. Romântico, levou sua esposa ao cinema pela primeira vez para assistir Platoon; Herbert Bertacco, 37 anos, natural do bairro da Vila Carrão, é também responsável pelo gerenciamento e planejamento da SPDL. O entusiasta de rock dos anos 90 e filmes de ação trabalha na empresa há 5 anos, sendo formado em Logística pela GV. Coincidentemente, ou não, não tira férias há exatamente o tempo que tem de SPDL, afirmando que gosta tanto do emprego que se sente entediado sem ele. Acha que a Marta Suplicy parece um queijo derretido; e Mauricio Rodrigues, já devidamente introduzido.

Assim que os três mosqueteiros se viram unidos, era hora de mudar de ambiente. A sala corporativa daria espaço para um outro salão, mais amplo e claramente voltado para reuniões. Era apenas uma questão de atravessar o saguão onde pousaram inicialmente ao subir as escadas. Tudo indicava que uma festa de aniversário havia acontecido no local há pouquíssimo tempo atrás, ainda haviam indícios de bexigas numa extensa bancada. Na parede, alguns mapas demarcavam as regiões de atuação da filial, com tachinhas, marcações, post-its e observações. À frente de um enorme mapa, os gerentes afirmaram que a unidade atua basicamente nas regiões: Anália Franco, que envolve outros bairros vizinhos; Paulista, que envolve vizinhanças como Bela Vista, Vila Mariana e Paraíso; e Guarulhos, que eles costumam chamar de Aeroporto, apesar de distribuírem também em regiões mais afastadas da cidade. Segundo os anfitriões, o local que tem o maior volume de entregas é a Paulista, com cerca de 31 mil diárias. Este número acaba sendo potencializado por conta do alto número de prédios e bancas, que sempre acabam tendo alto volume de entrega. Em relação à quilometragem, a Zona Leste acaba tendo uma abrangência maior, apesar da menor quantidade de entregas. Neste caso, a utilização de motos é mais eficiente, sobretudo por conta de regiões mais inóspitas e de terreno mais acidentado. Ia ficando claro que as nuances dentro do universo da entrega de jornais eram grandes e interessantíssimas.

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Mapa de Atuação.

Mídia Impressa x Mídia Digital

Enquanto conversavam cordialmente, o assunto da evolução que a mídia digital vem tendo, e que influência isto terá no futuro da mídia impressa, não poderia deixar de vir à tona. É evidente que a mídia impressa vem, de certa forma, perdendo força e, como não poderia deixar de ser, Zaso Corp. fez questão de saber a opinião de cada um dos cabeças da filial acerca do assunto.

Herbert foi o primeiro a dar sua opinião, afirmando que raramente lê jornal, apesar de ter um certo costume de ler na tela do computador. Sem preferência por publicação alguma, acredita que apesar da força que o impresso perdeu nos últimos anos, colocando inclusive que nos últimos dois anos a queda de entregas, na empresa, foi de 30% – o que precisou gerar diversas re-adequações de gestão e logística, acredita que a publicação física não vai deixar de existir nunca, tendo uma tendência a se moldar de acordo com os caminhos que a mídia digital vai percorrer. Um entusiasta moderado.

Flavio, por sua vez, já chegou botando o pé na porta, dizendo que, fatalmente, o jornal impresso vai morrer. Apesar de acreditar nesta tendência, acha que o que vem segurando a mídia impressa é a credibilidade. Segundo ele, a internet não tem a mesma confiabilidade que jornais grandes, como o Estadão, seu jornal favorito, e a Folha de São Paulo. Acredita piamente que pelo tamanho e influência que esses veículos de comunicação tem, não iriam mentir e distorcer informação. Não acredita no que lê na internet. Em contrapartida, elogiou a velocidade e a disponibilidade de informações que existem nos tempos atuais, dizendo até mesmo que gostaria de ter tido esse volume de notícias e conteúdo em sua época jovial. Como não poderia deixar de ser, aproveitou para alfinetar seu filho, que, segundo ele, é bem informado mas passa muito tempo vendo “besteira” na internet. Flavio, ao contrário de Herbert, tem o costume de ler jornais impressos, principalmente de sexta, sábado e domingo. Seu caderno favorito é o internacional. Perguntado sobre futebol, o corintiano afirmou que só costuma dar uma corrida de olho, perdeu o interesse pelo assunto depois que Ronaldo teve caganeira na Copa de 98, palavras literalmente proferidas pelo mesmo.

Por sua vez, Mauricio trouxe uma visão semelhante à de Flavio com relação à credibilidade que a mídia impressa tem, concordando que este é o principal alicerce que ainda sustenta-a. No gancho do que afirmou Flavio, criticou o repasse de conteúdo sem fontes na internet, afirmando que enxerga uma necessidade de controle neste sentido. Disse que existem robôs que surrupiam conteúdo dos jornais impressos e edita estes de maneira indigna. O anfitrião ainda afirmou que, por hora, a tecnologia vem evoluindo também a publicação impressa, fazendo com que elas co-existam e andem de mãos dadas.  A tradição, para ele, também é um fator determinante para que o jornal impresso continue a ter uma sobrevida, afirmando que seus pais foram grandes incentivadores da publicação impressa em sua vida, atitude que ele também procura passar para seus filhos. Mauricio é assinante de ambos os jornais para o qual trabalha, afirmando, de maneira diplomática, que não tem favorito. Entusiasta de automóveis, afirmou que seu caderno favorito é o de carros, que lê diariamente. Mauricio está atualmente sem carro, utilizando o de sua esposa, mas disse que é grande apreciador de carros esportivos e potentes, usando de exemplo o Volkswagen Jetta e o Golf. O conservador entusiasta da tradição acha prático ter um jornal sempre debaixo do braço, usando como exemplo estar numa fila de banco ou à espera de alguma coisa. Perguntado se sente-se ameaçado pela queda significativa que a entrega de jornais teve nos últimos anos, disse que vê este fenômeno com naturalidade e que as adequações necessárias acabam empatando o jogo de volta. Indo um pouco além desta relação impresso x digital, chegou-se num ponto de discussão interessante, relacionado a quanto o noticiário, e conteúdos relacionados, ganharam força e espaço cada vez maiores na televisão.

Em meio ao assunto acerca de mídia digital e impressa, Mauricio trouxe à tona, em tom de nostalgia, um devaneio. Quando era criança, a televisão tinha momentos mais pontuais de jornalismo, como na hora do almoço e mais à noite. A parte da manhã, que antigamente era voltada para programação infantil, citando Chaves e Xuxa, agora também tem forte presença jornalística, com programas que misturam curiosidades, culinária e matérias de cunho informacional. Para finalizar o raciocínio, colocou em jogo que o fato de agora a televisão ter mais de dez horas voltadas para o jornalismo, contra as duas ou três horas diárias de décadas passadas, era um indicativo de que a indústria da informação e notícia se mantinha firme e forte, independente da superfície em que é apresentada, impressa ou digital.

A tríplice coroa do planejamento da São Paulo Distribuição e Logística se mostrou, num geral, ainda relativamente otimista com o papel que o jornal impresso tem nos dias atuais. Segundo eles, as re-adequações precisam ser feitas com cada vez mais urgência, porém, não vêm isso como motivo para desespero ou decadência.

O Processo de Pré-Entrega

A esta altura do campeonato, a movimentação nas bancadas já começava a ficar intensa, as duas manhã já davam as caras. Pela janela, a situação mudara consideravelmente, os caminhões já estavam chegando incessantemente, e sendo descarregados, para que o processo de pré-entrega pudesse tomar corpo. Então, os três gestores convidaram os zasóides para conhecer com mais detalhes a área de roteirização e entrega, propondo que todos descessem para uma explicação mais prática. Foi o que fizeram.

19Já observando a movimentação ao redor, sem entender com clareza o processo, e ainda sob a tutela do trio de planejamento, chegou um ponto em que o relato entrou num âmbito mais técnico, principalmente sobre como funciona, e por quais etapas passam, o abastecimento e distribuição, desde a saída do jornal da redação até a chegada deste na distribuidora.

A título de contextualização, é importante explicar que existem dois tipos de edições jornalísticas: nacional e capital. A nacional é relacionada ao interior de São Paulo e outros estados, enquanto a capital é referente à cidade de São Paulo e sua região metropolitana. A SPDL tem a função de distribuir apenas as edições capitais. Por sua vez, as edições nacionais são distribuídas por via rodoviária, para até 1000km de distância, e por via aérea, para as demais capitais, através de distribuidores regionais, que no caso são a Transfolha e a OESP. Neste caso, a SPDL se limita a apenas fazer o gerenciamento desta distribuição.    nacionalEstas edições, por sua vez, são divididas em cadernos, ou encartes, que são: encartes pré-rodados, ou cadernos frios, que, geralmente, são matérias auxiliares e fixas do jornal, de assuntos mais específicos e segmentados, como agendas de eventos, cultura, turismo e matérias não necessariamente relacionados aos acontecimentos do dia de expedição da edição; encartes comerciais, que são as propagandas e publicidades; e cadernos quentes, que são formados pela capa e conteúdos relacionados ao dia de expedição da edição, como esportes e notícias “frescas”, por exemplo.

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O primeiro passo da pré-entrega, em se tratando de  distribuição capital, é receber os pré-rodados e encartes comerciais que são impressos antes do fechamento de redação, por conta de não necessariamente serem relacionados com os acontecimentos do dia.  Estes encartes chegam nas distribuidoras entre 20h e 21h, só que de fontes diferentes. Os encartes comerciais são impressos em diversas gráficas de acordo com os anunciantes, enquanto os pré-rodados são impressos de acordo com o jornal em questão. O Estadão tem uma tendência a mandar essa sessão antes que a Folha. Com estes cadernos em mãos, as equipes de montagem conseguem se organizar melhor e otimizar a roteirização dos jornais, como é conhecida a montagem da ordem certa das páginas.  Eles também possuem um horário de chegada na distribuidora muito semelhante ao dos cadernos frios. Porém, se mostram um pouco mais variável por conta das diferentes matrizes de impressão que os geram. Assim que chegam à distribuidora, são organizados junto dos pré-rodados, em seus devidos lugares. A junção de todos os esses encartes pré-rodados é conhecida como encarte redacional.

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O segundo passo é a chegada dos cadernos quentes, que chegam entre 1h30 e 3h da manhã, após o fechamento da edição capital, que se dá por volta da meia-noite. Nele, os últimos assuntos são encaixados, sobretudo os esportes. Em dias de “atraso gráfico”, como é conhecida a quarta-feira e domingo, por motivos de futebol, resumo da semana (no caso do domingo) e recentemente Olimpíadas (com esse fenômeno acontecendo praticamente todos os dias), esse horário pode acabar até mesmo se estendendo. Por volta da 1h da manhã, estes cadernos são impressos nas gráficas do jornal e expedidos para as filiais da SPDL. Este é o período de maior furor no galpão, exatamente a etapa do processo que Zaso Corp. teve o prazer de presenciar.

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1618Com todos os encartes em mãos, é o momento do quarto passo, o da montagem do jornal, que muitas vezes já vai acontecendo antes mesmo dos primeiros passos se concluírem. Essas bancadas são formadas por: montadores, que geralmente, em caso de carro, são duplas, as mesmas que entregarão os jornais que estão manuseando, sendo que, por sua vez, se dividem em motorista ajudante (no caso de motociclistas, o trabalho é solitário); masters, coordenadores que separam, organizam e gerenciam o manuseio dos jornais, seguindo o roteiro à risca com o trabalho que os montadores irão executar, como número de jornais a serem ordenados, aonde serão entregues e em que sacola eles serão colocados (existe uma sacola de cor diferente para cada espécie de jornal, sendo que, no caso da entrega em prédio, não há a necessidade de ensacar. Essas bancadas são divididas por regiões de atuação e canal de venda (banca de jornal ou assinante), podendo conter mais de uma equipe de montadores, dependendo do espaço disponível. Em muitos casos, um master acaba coordenando mais do que uma equipe, inclusive fazendo parte do manuseio do jornal e, em muitos casos, cobrindo folga/ problema que algum entregador, ou motorista, posso vir a ter. Na realidade, a hierarquia do manuseio de jornais é bastante horizontal.

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O último passo da pré-entrega, enfim, é rechear o veículo a ser utilizado, seja ele um triciclo ou uma perua, para a distribuição, sempre com o máximo de jornal possível e imaginável, um papel definido pelo master e pelos gestores de planejamento. Quando o trabalho de manuseio finalmente acaba, o veículo em questão é abastecido pelos responsáveis por manusear os jornais. Dependendo da quantidade de pessoas que estiverem trabalhando no local naquele momento, o veículo pode até mesmo entrar dentro do galpão para facilitar o serviço. Caso contrário, o transporte é feito através de um carrinho de mão. Um veículo não necessariamente tem nenhuma relação com outro que vai praticar a entrega de jornais, estando completamente livre para sair assim que o trabalho de carregá-lo acabar.

masters.pngO mais curioso disto tudo é que todo este sistema é majoritariamente exclusivo de cidades que comportem uma estrutura minimamente favorável a esta logística. Em locais muito inóspitos e de estrutura desfavorecida, como a cidade de Lacerda, onde o planejador Flavio morou, alternativas dos mais variados graus de curiosidade acabam sendo necessárias. Em muitos locais deste porte, o caminhão, que sai carregado de jornais, de uma cidade pólo, acaba por chegar até a central de distribuição e alimentar mais caminhões que, por sua vez, acabam partindo em longas viagens com destino à outras cidades e vilarejos menores. A partir destas cidades menores, muitas vezes, ônibus e outros transportes acabam re-despachando esses jornais para outros lugares ainda menores. É muito comum, como bem disse Flavio, citando um dono de revistaria, da cidade em que morou durante muito tempo, que o solicitante acabe enviando para o jornal um outro endereço/ cidade que não seja o seu, no intuito de que as publicações que ele quer sejam entregues onde é possível. A estratégia acaba necessitando que o cidadão dê os seus pulos para buscar suas mercadorias, seja através de um garoto de bicicleta ou uma andorinha treinada.

Os zasalhas observavam o processo maravilhados, as três da mamãe já haviam chego e o último caminhão, trazendo os cadernos quentes, acabara de chegar. Ao mesmo tempo, alguns carros e motos já estavam devidamente liberados para partirem em direção ao seu destino. Enquanto conversavam com a tríplice coroa sobre ocorrências curiosas, um homem moreno e alto encostou na roda em que os zasalhas e os três gerentes se encontravam, cumprimentando-os e observando os jovens entrevistadores com certa intriga. Era Valdinei de Melo, um dos masters da SPDL, coordenador de equipes do local. O simpático homem não viu problema em levar os zasalhas até sua bancada, onde, naquele dia, estava trabalhando para cobrir um ajudante que cumpria folga. Valdinei, de 46 anos, é nascido em São Paulo, oriundo do bairro do Jaçanã. O funcionário começou sua atuação na empresa há 15 anos, como entregador motociclista. Conforme foi se tornando mais experiente, passou a coordenador outros entregadores, se tornando um veterano na casa. Leitor do Jornal Agora e um grande crítico do prato de comida conhecido como feijoada (acha uma mistura polêmica demais para seu gosto), Valdinei afirma que sua família e seus dois filhos, de dezessete e três anos, não vêem nenhum problema em seu trabalho na madrugada. Inclusive, pelo fato de sua esposa trabalhar durante o dia durante todo o crescimento de seus filhos, ele acabou assumindo o papel de criá-los e prover a maior parte de suas necessidades. Sua calma e senso de humor chamaram a atenção de Zaso Corp., que achou interessante o fato de ele ter lembrado de Ruth Romcy, ao ser perguntado sobre qual mulher ele acha feia. Em contrapartida, acha Grazi Mazzafera muito bonita. Complementando seu raciocínio, Valdinei disse que os prós e contras de seu trabalho são praticamente os mesmos: Trabalhar de madrugada.

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Valdinei de Melo é paulistano, no ápice de seus 46 anos. Morador do bairro do Jaçanã, é evangélico e entusiasta de cantores como Tales, André Valadão e Fernandinho. Costuma arrumar problemas na igreja quando diz que sua religião na realidade é Deus. Entu siasta do filme Coração Valente, trabalha como master na SPDL há seis anos, tendo iniciado sua carreira no ramo como entregador de moto, há dezesseis anos atrás. Em certa feita, presenciou dois homens fazendo sexo em uma viela, fato que deixou-o um tanto perturbado. Segundo o mesmo, detesta feijoada e se pudesse definir seu trabalho em uma palavra, seria “da hora”.
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Roteiro de Manuseio.

11Contos da Madrugada

O assunto na bancada de Valdinei estava leve e descontraído, até certo ponto. Em determinado momento, as palavras violência, perigo e cagaço vieram à tona, abrindo, literalmente uma Caixa de Pandora sob os zasalhas e os funcionários que estavam presentes durante a conversa. Acostumado a flanar incessantemente pelos entornos de Guarulhos, Valdinei já estava naturalizado com os mais diversos problemas técnicos. Porém, nenhum se comparou ao dia em que foi assaltado pela primeira vez em serviço. Ainda em tempos de entregador, com a sua tradicional moto velha e surrada, justamente para evitar esse tipo de problema, foi surpreendido por dois homens em uma motocicleta mais possante que a sua, nos entornos do bairro de Três Marias, na Penha. Com dois celulares e cinquenta pila no bolso, sentiu o cheiro do perigo ao dizer para os dois homens que não tinha dinheiro, levando uma coronhada na costela etendo seu Nextel levado imediatamente, junto com sue rico dinheirinho. Largado no local, ligou para seu patrão e acabou se dirigindo ao batalhão da Polícia Militar mais próximo. Para sua sorte, foi informado que acharam uma moto igual a sua abandonada próxima do local, ainda com todos os jornais intactos. Não haviam dúvidas. Sem pensar duas vezes, e mesmo com o atraso gerado pelo transtorno, voltou a entregar seus jornais, após recuperar seu querido veículo.

Histórias tentaculares como a anterior são muito comuns entre os funcionários da SPDL. Enquanto Valdinei abria seu coração sobre o ocorrido, Flavio, que havia se juntado novamente a Zaso Corp. para escutar os relatos, chamou um outro funcionário, um motoqueiro relativamente novato, para contar um relato muito mais surpreendente do que o anterior. Timidamente, o motociclista paulistano Robson Alves, de 50 anos de idade, sendo que apenas dois dedicados à profissão de entregador de jornais na empresa, cumprimentou os jovens educadamente, mostrando a manga da jaqueta, que claramente possuía dois buracos estraçalhados. Segundo ele, há dois meses atrás fora vítima de um disparo que atravessou seu braço como uma folha de papel sulfite. Por sorte, a bala não chegou sequer a pegar no tecido muscular. Robson tem como principais área de atuação o bairro do Parque Continental, localizado em Guarulhos, exatamente o palco do ocorrido. Numa rua sem saída, o entregador cumpria seu serviço tranquilamente quando foi surpreendido por disparos. Um policial militar trocava tiros com assaltantes que tentaram roubá-lo. Sem reação, acabou dando meia volta o mais rápido possível antes de ser alvejado, sumindo em meio aos clarões e estalos. Ao chegar em seu próximo destino, com a adrenalina estourando a tampa da panela, percebeu que foi atingido no braço. Instantes depois, o próprio policial que alvejou-o chegou ao local, prestando-lhe socorro. O mais surpreendente da história é, sem dúvida, o fato de apenas um tiro ter pego-lhe, e não lhe causando grandes danos. Ao mostrar o braço, a quelóide típica de um machucado já saltava aos olhos. Robson afirmou, em tom até de certa forma jocoso, que por não beber nem fumar sua recuperação foi ótima. O funcionário que tem oito filhos e já trabalhou em outros empregos tão variados quanto gerente de banco e bombeiro da aeronáutica, profissão desconhecida por Zaso Corp., ficou apenas alguns dias de licença do trabalho. E lá estava ele, calmo, são, salvo e pronto para mais uma corrida, que sairia em instantes.

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Indícios.
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O motoqueiro paulistano Robson Alves, de 50 anos, é natural de São Paulo. Entusiasta de música gospel, como Cléber Lucas e Marquinhos Gomes, o evangélico trabalha na SPDL há dois anos. Recentemente, há dois meses, passou por uma experiência traumática, ao ser alvejado com um bala perdida no braço durante tentativa de assalto. Apesar dos problemas, gosta muito de trabalhar de madrugada, afirmando que sua família, e seus oito filhos, apoiam seu estilo de vida. Gosta de arroz, feijão, bife e batata-frita. Afirma que o trabalho faz com que ele seja “homem” de verdade e, segundo ele, se pudesse definir a labuta em uma palavra seria “minha vida”. Perguntado sobre o futuro do jornal impresso, afirmou que enquanto houver quem goste de ir ao banheiro ou tomar café da manhã lendo um jornal, a publicação impressa viverá.

Flavio Megnis, aproveitando o gancho das histórias contadas anteriormente, afirmou que os meses mais difíceis para a empresa, em se tratando de violência urbana, são Julho e Agosto. No mês passado, o próprio mês oito, duas motos foram roubadas em frente à filial Centro-Leste. Os motoqueiros foram rendidos e tiveram suas motos levadas. Como a propriedade é exclusivamente dos mesmos, tiveram que se afastar por tempo indeterminado de suas funções. Em um dos episódios mais tristes da empresa, há muitos anos atrás, na ensolarada Brasilândia, uma Kombi entregadora de jornais foi metralhada por traficantes que confundiram-na com policial militares. Um episódio trágico e que serviu para encerrar a caralhada de histórias desgraçóides. Sentindo que o clima estava cheirando a peido louco, Flavio Megnis resolveu trazer à superfície algumas das suas muitas histórias que vem colecionando ao longo de tantos anos. E, diga-se de passagem, um petardo melhor que o outro.

Há dez anos atrás, na época em que era sub-gerente de transportes, Flavio costumava treinar novas equipes de entregadores. Em certa feita, se incumbiu de ensinar os macetes da entrega de jornais para dois irmãos que queriam entrar no ramo. O motorista era um senhor de sérios problemas de visão, portando o tradicional óculos fundo de garrafa. Na perua Kombi branca, a mais tradicional do meio, estavam os dois aspirantes ao emprego e Flavio, que ia fazendo o papel de ajudante enquanto explicava a melhor maneira de fazê-lo. Uma das técnicas mais comuns da entrega de jornal é a famosa acelerada leve do motorista enquanto o ajudante, que está na rua entregando os jornais, agilmente volta para a perua, que, com as porta lateral aberta, recebe-o e volta a acelerar. Porém, o piloto em questão ainda tinha o costume de correr a velocidades muito acima do que um ajudante consegue acompanhar. Flavio já vinha reparando que o senhor tinha esse hábito, alertando-o incessantemente. Em um determinado momento, Flavio havia ido entregar um jornalzinho quando tentou voltar para a perua em movimento e, com o carro em velocidade altíssima, seus pedidos não foram atendidos. A dificuldade foi tanta que ele caiu pela porta sem nem conseguir adentrar o carro direito e foi imediatamente atropelado. A porta, que ficava alguns centímetros para fora, passou por cima de sua perna, atingindo-o da região da saca até o joelho. Ralado, atropelado e danificado, voltou emputecido para dentro do carro, reclamando de maneira acintosa com o motorista cegueta. Verificando seus ferimentos, constatou que sua perna estava aberta feito uma foto de banco de imagem de um homem cortando uma alcatra, com aquela assustadora “parte branca” aparecendo. Assustado, achou que o corte havia atingido sua região femural, crendo piamente que iria morrer em alguns minutos. Com um resquício de compaixão pelo tiozinho cegalha, ligou para seu coordenador e pediu para que ele viesse buscá-lo em seu carro particular, afinal, se chamasse a ambulância, a perua de entrega de jornais acabaria sendo envolvida. Quando seu superior chegou, levou-o até um hospital da região do Tatuapé, próximo de onde se encontrava. Como é de se imaginar, os irmãos não chegaram a cravar seus nomes no mundo da entrega de jornal.

Ainda no gancho das histórias curiosas, e um tanto trágicas, Flavio afirmou também que há 9 anos atrás, já foi inclusive atropelado por um ônibus em sua época como entregador de moto. Num cruzamento, após o sinal vermelho morfar para a cor verde, Flavio deu o famoso “vai que dá” para tentar passar por um espaço quase impossível. Foi exatamente o que aconteceu. O ônibus arrastou-o, junto de sua moto, que teve perda total. Junto dele, estava um motoqueiro que fazia treinamento com ele e que atualmente continua a trabalhar na SPDL. Seu histórico de treinamentos envolve situações deveras fecais. Mesmo tendo se ralado federalmente, ainda voltou a auxiliar o aspirante, tendo ido ao hospital apenas após terminar o expediente, horas depois

Flavio se mostrou muito acessível em sua maneira de lidar com Zaso Corp. Sinceramente, foi o contrário do que imaginou-se, principalmente por se tratar de um militar que ainda cultivava a ideologia dentro de seu peito. Para finalizar seu cartel de histórias, colocou em pauta situações um pouco mais alto astral do que as colocadas anteriormente. Ao menos para o leitor assíduo. As ocorrências de reclamações são uma constante em qualquer empresa, sejam elas com razão ou não. Os problemas relacionados ao arremesso de jornais são muitos. Variam de tamanho e cor em intensidades nunca antes vistas. Um dos motoqueiros da empresa, recentemente, atingiu um vaso que custava mil e oitocentos reais, espatifando-o ao chão. Honestamente, foi até os coordenadores e contou a história exatamente da maneira como ocorreu, se disponibilizando, inclusive, a pagar os danos causados. Compadecidos com sua humildade, resolveram abstê-lo do pagamento, apesar das reclamações da dona do artefato. Evidentemente, este ocorrido aconteceu na região da Avenida Paulista. Em outra situação pitoresca, e mais trágica, um entregador atingiu de maneira violenta, e não proposital, um passarinho de competição, matando-o instantaneamente. As ocorrências de falta de dinheiro também têm o seu espaço. Em tom jocoso, Flavio ainda afirmou que uma entregadora, em certa vez, adentrou uma Livraria Cultura no intuito de abastecer o recinto com jornais. O estacionamento, que apenas permitia a espera gratuita por quinze minutos, acabou se vendo obrigado a cobrar valor de permanência para a senhorita, que demorou mais do que esperava durante a entrega. Flavio precisou, então, disponibilizar um motoboy apenas para pagar-lhe o valor da estadia, que não deu mais do que vinte reais.

Como todo bolo farto e empetecado tem a sua cereja, Zaso Corp. finalmente teve o prazer de ter o combo de histórias de Flávio encerrado em grandessíssimo estilo. O gerente afirmou que histórias sexuais são muito comuns e, contando que os jornais sejam entregues de maneira adequada, é isto que importa. Há mais de dez anos atrás, havia um entregador, cujo nome não foi mencionado, que dirigia um Fiat 147, um dos carros mais supremos já existentes neste país. Em um momento de lazer entre uma entrega e outra, o entregador conheceu uma anã que muito lhe apeteceu. O papo começou a esquentar, e logo um convite para usufruir dos confortos que apenas o primeiro Fiat do Brasil poderia proporcionar vieram à superfície. Não deu outra, a tampa da panela estourou e a nudez rolou solta, chegando ao ponto de penetração sexual. Sentado ao volante, e com jornais até os pés, o entregador praticou ato sexual intenso com a pessoa diminuta. Um dos maiores momentos da entrega de jornais e, quiçá, dos proprietários de Fiat 147.

A Entrega

Ao passo que Zaso Corp. se entretia de maneira federalha com as histórias contadas por Flavio, o manuseio dos jornais ia chegando ao fim. Os últimos paladinos iam deixando o galpão em direção aos endereços dos usuários de mídia impressa. Mauricio, que havia agilizado uma perua para Zaso Corp. embarcar, voltou à cena, apontando o provedor de tamanha aventura e colocando os zasalhas novamente em posição de alerta. Seria Roberto Marques, o Alemão, um master coordenador de seis equipes, acostumado com as pressões da madrugada. Naquele dia, estava cobrindo a folga de um dos motoristas da empresa, com a ajuda de seu fiel escudeiro, e ajudante, Cristiano “Quico” Xavier. Os zasalhas observavam o fim da pré-entrega, aguardando o momento em que poderiam embarcar na sagrada Kombi branca de Alemão. A dupla estava na fase de rechear a perua com jornais, fato que rendeu bons registros por parte do fotógrafo e contribuinte Leandro Furini.

21A entrega é o momento de êxtase de todo o árduo processo de manuseio e armazenamento de jornais. Carros, motos e peruas finalmente dão partida na ignição, rumando em busca das mais loucas presepadas, tudo com o “delta”, como é chamado horário máximo, de seis horas da manhã. Como dito anteriormente, em algum momento longínquo deste enorme relato, os carros que promovem a distribuição dos jornais são de propriedade dos próprios entregadores, que lidam com absolutamente todas as despesas e interpéries que eles possam vir a se meter. Se você tem um carro e quer ser entregador de jornal, basta ser são das idéias, enxergar de maneira razoável e não atropelar colegas de trabalho involuntariamente. O processo para se tornar funcionário envolve um teste de aptidão ao trabalho, que acaba tendo mais reprovações do que se imagina, como nosso anfitrião Flavio Megnis bem sabe. O mesmo processo é equivalente tanto para automóveis quanto motos, que por muito tempo foram proibidas pelo veículo de comunicação Estadão, por motivos de segurança, há não mais que dez anos atrás. Evidentemente, há uma troca neste sentido, a moto acaba tendo seus benefícios, sobretudo em relação à mobilidade e agilidade. Apesar das restrições claras com pessoas, não há restrições com carros. O único critério em regência neste caso é se o veículo consegue dar conta da demanda que eles precisam. De uma forma ou de outra, é sempre uma questão de logística e encaixar o entregador em seu devido lugar. Uma das características mais interessantes dos entregadores de jornais da São Paulo Distribuição e Logística é o fato de construírem carreira na empresa. É tradição que a maior parte dos empregados estejam trabalhando no local há mais de uma década, tendo, por muitas vezes, subido de hierarquia dentro do meio, como é o exemplo de uma boa parte dos entrevistados por Zaso Corp.

Um comunicado de partida veio até os zasóides, em instantes iriam embarcar. O destino seria o bairro da Vila Mariana e seus entornos, itinerário que pertence à divisão Paulista da logística da empresa. Anteriormente, ainda nos momentos em que os zasóides estiveram conversando com a tríplice coroa no salão de reuniões, podia-se notar claramente que haviam dois mapas bem distintos, com diferentes regiões assinaladas no salão em que haviam conversado anteriormente. Herbert havia explicado aos correspondentes que um dos mapas representava as entregas de assinaturas e outro de bancas de jornal. Segundo ele, os canais de venda e logística eram bastante diferentes de um para o outro. Naquele momento em que se encontravam, já às quatro da mamona, tudo fazia o sentido que não havia feito no momento anterior, sobretudo depois de ficarem sabendo que iriam cobrir as áreas correspondentes às assinaturas.

No sistema de entrega em bancas de jornal, o levantamento é feito pelos próprios jornais e repassado ao gerenciamento de transporte da empresa. Os entregadores geralmente têm um vasto molho de chaves para abrir as bancas em questão. Segundo os anfitriões da aventura, é muito comum problemas com chaves e fechaduras danificadas. Em alguns casos, o entregador tem até mesmo que esperar a banca abrir. E não basta apenas entregar as publicações, é necessário recolher o “encalhe” como são chamados os jornais que não são vendidos e trazer de volta à SPDL. Por esse motivo, geralmente a entrega nas bancas acaba tendo que ser feita com carros de porte média para grande, por conta do volume. Já com relação às assinaturas, existe uma entrega mais minuciosa, que é majoritariamente dividida entre prédios e casas. O volume do prédio é maior, necessitando uma organização mais cuidadosa por parte dos entregadores, assim como um carro que comporte essa quantidade de material. Por essa e outras, que muitas vezes o trabalho de distribuição de jornais por assinatura acaba demorando mais do que o das bancas. Por conta do poder aquisitivo maior que os assinantes possuem em relação aos jornaleiros, a chance de ocorrências e reclamações com relação à entrega domiciliar acaba se multiplicando. Faz parte.

22O juiz apitou e apontou o meio de campo, acabara o jogo para Zaso Corp., na realidade, era o início da prorrogação. De maneira efusiva, se despediram dos três gerentes que os acolheram de maneira cordialíssima, aquela experiência jamais seria esquecida por nenhum deles. Era o momento de cumprimentar Alemão e seu ajudante, que disponibilizariam um pouco de sua energia em prol de responder algumas perguntas e inserir os jovens no embarque. Daniel estava explodindo de dores de cabeça, a vida lhe deu um duro sinal de que era hora de voltar para casa. Com o apoio de seus companheiros de equipe, adentrou seu Ford Ka de cor branca e voltou para os domínios da Zona Leste paulistana. Perdemos um soldado. Um soldado que trouxe grandes honras para seu batalhão. O momento agora era entre Jonas, Leandro e os dois guerreiros da noite paulistana. Chegara o momento do embarque.

À Bordo

O expediente seria feito em direção ao Metrô Ana Rosa, onde iriam percorrer todos os seus entornos que não ultrapassassem os limites do Parque IbirapueraRua Eça de Queiroz, Avenida Vergueiro e Avenida Sena Madureira. A perua Kombi estava abarrotada de publicações, Leandro embarcou na parte traseira do veículo, sentado em uma pilha de jornais, dividindo o mesmo espaço que o auxiliar “Quico” Xavier, enquanto Jonas ficou no banco de passageiro, onde pôde ter mais liberdade para conduzir uma entrevista com o solícito Alemão.

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São Paulo Distribuição e Logística – Filial Centro-Leste > Vila Mariana
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Área de Entrega de Zaso Corp.

Roberto Marques, o Alemão, de 39 anos, idade que confundiu sua cabeça por instantes, pelo fato de ter feito aniversário dias antes, é natural de São Paulo e é morador do bairro de Pirituba. O funcionário da SPDL é contratado da empresa há cinco anos, desde a época em que começou a fazer bicos como entregador de moto no local, trabalho que levou-o a ser o coordenador de seis linhas de entrega de jornais. O entusiasta de canelone e nhoque tem um vasto conhecimento da área de transportes. Com cursos que vão muito além de sua área, como de operador de empilhadeira e manutenção odontológica, se mostrou versátil. Durante o dia, entrega produtos de limpeza por toda a São Paulo, sendo autônomo na área. Coordenador da região da Vila Mariana e arredores, está acostumado a fazer aquela mesma linha com bastante frequência. Porém, naquele dia em que os zasalhas estavam à bordo de sua Kombi, ele estava cobrindo a folga de outro funcionário que não veio trabalhar por motivos pessoais. Perguntado sobre o que mais gosta e menos gosta no trabalho, afirmou que acha a liberdade algo positivo, e detestando dias chuvosos. Segundo o próprio, jornal e chuva não se dão bem. Outro ponto que não agrada-o muito é o ato de manusear e guardar os jornais dentro do veículo. O que ele gosta mesmo é de ir para a rua. Para ele, o melhor dia da semana para se trabalhar é a segunda-feira, principalmente porque o jornal ainda está mais “fino” que nos dias seguintes, como ele mesmo disse.

Alemão é conhecido pelo bom-humor, do tipo que fala alto e dá um tapa estralado nas costas de quem estiver por perto. Assíduo consumidor de Netflix, o entregador disse que costuma assistir as mais variadas séries e filmes em seus tempos de folga, que são pouquíssimos. Trabalhando seis dias para um de folga, assim como a maior parte dos funcionários da SPDL, Alemão costuma encerrar o expediente por volta das seis da manhosa. Sua família mal o vê em seus momentos livres, segundo ele, não sente muito sua falta. O simpático motorista é casado e tem duas filhas. Perguntado sobre sua relação com jornais, disse em tom fuleiro que nunca leu um sequer na vida, no máximo folheou-o. Segundo ele, só usa jornal se for para pintar a casa.

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Roberto Marques, o Alemão, tem 39 anos, feitos há dias atrás, e é natural de São Paulo, mais precisamente do bairro de Pirituba, onde mora. Gosta de qualquer música que esteja passando no rádio, menos “funk pesado” como ele mesmo disse. Acha a Xuxa uma mulher linda e a Regina Casé judiada. Fã de filmes de Kung Fu, Alemão trabalha na SPDL há cinco anos. Em tempos de perrengue, começou a entregar jornais na empresa como uma forma de tirar um troco. Não só nunca mais saiu, como passou a coordenador seis roteiros diferentes, se tornando master. Tem um Golzinho quadrado, ano 95, para fins pessoais, enquanto usa sua Kombi branca para entregar seus jornais, durante a madrugada, e produtos de limpeza durante o dia. 

2923O assunto estava fluindo tranquilamente pois os aventuróides ainda estavam a caminho da Vila Mariana, cruzando a cidade em busca das embrenhadas ruas do bairro. A abarrotada Kombi ia balançando de um lado para o outro enquanto o assunto ia fluindo. Em breve, a correria ia começar. Muito mais calado e retraído, Cristiano Xavier de Trindade, mais observava do que qualquer coisa, apenas esperando seu momento de brilhar muito na entrega de jornais. O rapaz de 33 anos, sendo oito deles dedicados à profissão, mora no bairro do Butantã e é natural de São Paulo. “Quico” como é conhecido pelos mais íntimos, é um entusiasta de samba, forró e rap, não sendo grande apreciador de funk. Quando o assunto é jornal, assim como Alemão, afirmou que não tem o costume de ler. Há dois meses trabalha com o motorista. Segundo ele, ainda estão se entendendo. Para ele, a melhor parte do trabalhar é ir para a rua, tem um prazer particular por arremessar jornais, quase que como um jogo. Suas histórias como entregador variam desde presenciar situações de sexo em público, até acidentes graves. Em 2009, fraturou a clavícula durante uma fatalidade em que um carro bateu na traseira do veículo onde estava entregando jornais, perto de Osasco. Ficou meses afastado e teve que colocar até mesmo pinos na coluna. Por sorte, Quico não teve os movimentos comprometidos, o que garantiu sua habilidade na distribuição de jornais.

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Cristiano “Quico” Xavier de Andrade, 33 anos, é natural de São Paulo e trabalha com a entrega de jornais há quase dez anos. Discreto, começou a trabalhar na empresa como motoboy, rapidamente passando a operar também como ajudante de motorista. Gosta de samba, forró, rap e não costuma ler jornais. Gosta muito da liberdade que a entrega de jornais lhe proporciona, tendo um apreço especial por arremessos longos. Em 2009, sofreu grave acidente, onde fraturou a clavícula. Apesar do ocorrido, está firme e forte sem nenhuma sequela.

Enfim, o bairro da Vila Mariana ia se aproximando, ao passo que as 04h30 da manhã já batiam forte no vidro da Kombi de Alemão. Ao chegar nos entornos da Avenida Vergueiro, fez sua primeira parada, já adentrando a região da Ana Rosa. Puxou sua prancheta de anotações e começou a coordenar os movimentos que Quicaço iria fazer. A maior parte das entregas eram em casas. A maneira que Alemão falava era quase que por códigos próprios dos entregadores. Dois ou mais números seguidos representavam a ordem e quantidade de jornais que seriam entregues em determinado lugar. Por exemplo: Dizer “um, dois, um” significava que em determinado endereço seriam entregues um exemplar de Estadão, dois de Folha e um Agora. A Kombi era praticamente tomada de exemplares das duas franquias detentoras da SPDL, com uma parcela muito menor de exemplares do Agora e apenas um exemplar da revista Lance! que descansava solitário em um canto do veículo. Agilidade e entrosamento são essenciais neste meio, era impressionante vê-los trabalhando juntos. Alemão falava o endereço e qual jornal seria jogado e Quico já botava meio corpo para fora do veículo, ainda em movimento, esperando o endereço chegar. Quando o mesmo chegava, arremessava com confiança a sacola contendo o jornal, que quicava impávido em seu destino.

25Engana-se quem acha que Alemão fica apenas cantando a bola para seu fiel escudeiro. Em determinados endereços em que a entrega de jornais é mais parruda, é necessário estacionar a Kombi, apoiar a prancheta nas pilhas de publicações e aventurar-se aos arremessos também, com agilidade até que impressionante para o alto de seus mais de 1,85 de altura. Alemão afirmou que está acostumado a botar a mão na massa desta maneira, até mesmo citando uma situação em que acertou as costas de uma moça que estava junto com o marido. O mesmo, ao invés de ficar emputecido e dar-lhe um tiro no braço, riu vertiginosamente. Em outra situação pitoresca, dessa vez mais trágica, fraturou o pé ao tentar voltar rapidamente para sua Kombi. Há dois anos atrás, também em dia em que cobria outro funcionário em seu turno, já estava, literalmente, na última entrega do dia quando ao voltar para a perua pisou num buraco e virou o peito do pé em uma posição que sequer conseguia imaginar até então. Com dores abissais, voltou para casa dirigindo com o calcanhar, arremessando-se ao hospital na sequência, mas sem antes tirar um merecido cochilo. Dois meses foram o suficiente para sua recuperação, que trouxe-lhe uma bela dor de cabeça, afinal, teve que pagar por todos as suas despesas, dinheiro este que acabou saindo de uma reserva que fizera para reformar sua casa. Em meio ao relato, mais uma vez pediu licença e voltou aos arremessos e entregas.

24353837Outro aspecto que muito chamou a atenção de Zaso Corp. foi o quanto a caranga de Alemão estava bem cuidada. O entrevistado da vez contou que tem posse de sua Volkswagen Kombi ano 2007 há dois anos. Na época, era proprietário de uma Renault Trafic que, segundo o próprio, dava-lhe muita dor de cabeça em manutenção. Afirmou, inclusive, que à bordo de seu ex-veículo, já chegou a terminar a entrega de jornal às 11h da manhã, por conta de problemas técnicos que o acometeram na ocasião. Sua Kombi nunca deu absolutamente nenhum problema, trazendo alegrias e bons momentos apenas. Perguntado acerca de violência, Alemão relembrou o episódio de seu companheiro Robson, que levou um tiro no braço, como relatado anteriormente. Porém, afirmou que nunca foi vítima de absolutamente nada do gênero, apesar de já ter ouvido muitas histórias a respeito, inclusive de entregadores que foram sequestrados e levados para os cantos mais inóspitas da Grande São Paulo, com o veículo abarrotado de jornais e tudo.

Ao passo que as entregas iam acontecendo, novas situações iam acontecendo. Nem sempre um arremesso é capaz de resolver a missão, em vários momentos é necessário colocar o jornal em locais específicos, como caixas de correio. Em outros momentos, acabaram por confundir os jornais que eram para ser arremessados. Dependendo do grau de facilidade em que o mesmo se encontrar, os entregadores pegam um cabo de vassoura improvisado e tentam “resgatar” o mesmo. Cães também não ajudam nada nesse tipo de situação. Apesar dos latidos incessantes, os entregadores afirmaram que nunca passaram por nenhuma situação mais desgracenta nesse sentido.

3442A entrega de jornais em prédios é estranhamente diferente. O volume é muito maior e os jornais vão soltos, colocados “cruzados” um sobre os outros para indicar a diferença de modelos. Das situações curiosas presenciadas por Zaso Corp. nas mais de três horas à bordo do veículo, nenhuma se comparou a uma entrega que Alemão fez em um condomínio próximo do Parque Ibirapuera, já chegando ao fim do expediente. A portaria do prédio, por onde o jornal é recebido, era acima de altíssima mureta colada à saída da garagem. O porteiro aparecia na janela com uma corda improvisada e soltava-a na direção do entregador, que esperava sorridente a situação ser clicada pelas lentes de Leandro Furini. Quando a corda chegava a seu alcance, Alemão amarrava a dezena de jornais que tinha em mãos cuidadosamente à traquitana, que subia balangante em direção ao funcionário do prédio. Um espetáculo, realmente.

444041Os últimos momentos da empreitada iam chegando, ao passo que o dia ia amanhecendo sob o teto do veículo. O sono já tomava conta dos zasalhas, que já não tinham muitas forças restantes. Aquele trabalho, apesar de divertido, se mostrava cansativo. Ficava claro o porque de Flavio ter dito a Zaso Corp., anteriormente, que muitos aspirantes a entregadores não seguram a bronca e acabam espanando a porca durante o processo. O mundo da entrega de jornais na madrugada é para xs fortes.

Solícito, Alemão disse que daria uma carona para os zasóides, dentro de suas possibilidades. Já tendo zerado o material a ser entregue na Kombi, e com as 7h da manhã estralando, era o momento da volta triunfal para casa. O motorista, que já estava por perto da região do Parque Ibirapuera, deixou Leandro em uma esquina da Av. Brigadeiro Luis Antônio, despendido-se do mesmo e seguindo viagem com Jonas, que ficaria mais à frente, na Avenida Sumaré, próximo de sua casa, no bairro de Perdizes.

434546Esta experiência foi, sem sombra de dúvida, a mais edificante e esclarecedora já presenciada por Zaso Corp., que não só não sabia coisa alguma acerca dos pormenores da entrega de jornais, como acabou por vivenciar a ponta do iceberg de um vasto e complexo universo quase que subterrâneo.

Quando forrar sua casa com jornais obsoletos para fazer aquela pintura, armar o canto onde seu cão defeca de maneira impecável, ou acordar de manhã, com aquela ressaca de deixar a boca em erosão, e com aquela vontade estonteante de tomar um café da manhã com um jornal ao lado para folhear sem compromisso, lembre-se que existe uma grande equipe de profissionais altamente treinados, repletos de astúcia e comprometimento, que tornam possíveis esses grandes momentos de sua vida. Enquanto a cultura do  impresso e palpável viver, um jornal há de atingir o portão de sua residência.

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4 respostas para ‘Jornal nas Estrelas – Adentrando o Mundo da Entrega de Jornais na Madrugada

  1. EU SEI OQUE E ISSO AMO AS ENTREGAS DE JORNAIS FUI MOTOQUEIRO DA SPDL HOJE SINTO MUITA SAUDADES POIS AMO AS ENTREGAS DA MADRUGADAS SAUDADES

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