Fotos: LEANDRO FURINI | Texto: JOE BORGES | Produção: DANIEL KUBALACK
Ar.te
s.f. (lat. ars) 1 Aptidão inata para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na demonstração de uma ideia. 2 Picanha no Rechaud. 3 Segundo Platão, toda forma de conhecimento ou atividade humana racional e utilitária, submetida a regras, em oposição ao acaso, ao espontâneo ou ao natural, abrangendo ciência e filosofia; assim, estabelece dois tipos de arte ou técnica: a) as judicativas, dedicadas apenas ao conhecimento, as do mundo inteligível; e b) as dispositivas ou imperativas, voltadas para a elaboração de uma atividade material, as do mundo sensível.
Ao longo da história da humanidade, a arte vem se tornando uma das mais eficientes maneiras de tornar a vida mais tolerável e menos xexelenta. Deixando tio Darwin orgulhoso, o ser humano foi evoluindo gradualmente neste sentido, obtendo louvável destaque em dois campos não tão distintos: churrasco e pintura. Estes dois verdadeiros estilos de vida vêm ditando os rumos do planeta há anos, deixando assuntos como política e religião na chinela. O que poucos mortais se dão conta é que estas duas dádivas muitas vezes dividem o mesmo templo, conhecido popularmente como churrascaria. Muitos destes estabelecimentos estão recheados de obras de arte em suas paredes, prontas para serem comercializadas com os mais diversos entusiastas. Estudos recentes, e razoavelmente confiáveis, afirmam que durante a ingestão de churrasco as pessoas se tornam mais aptas a admirar e consumir arte, o que justifica esta relação de sucesso. Enorme entusiasta de ambas as doutrinas, a entidade Zaso Corp. resolveu desvendar o universo acerca desta parceria empreendedora, se embrenhando nas entranhas das churrascarias que vendem e expõe obras de arte.
Há algumas luas atrás, o amigo pessoal, e protagonista zasáico em matéria sobre a lendária Pizzaria Batepapo, Ciro Jarjura comentou que havia prestado atenção no fato de que algumas churrascarias vendiam obras de arte. A idéia logo interessou os zasalhas Joe Borges e Leandro Furini, que não poderiam deixar de conferir este universo fantástico. Um levantamento das churrascarias que se encaixavam neste pré-requisito, feito por nossa equipe de produção, vulgo Daniel Kubalack, mostrou que Zaso Corp. estava adentrando um universo rico e promissor. Traçado o plano infalível, era apenas uma questão de locomover-se de automóvel 1.0 pelo trânsito paulistano em busca destas casas de carnes. O dia escolhido foi o sábado, conhecido por ser o dia da semana de maiores índices de churrasca, seguido de perto pelo domingo. O local de encontro dos protagonistas foi um bar próximo à tradicional Faculdade Mackenzie, para uma rápida reunião movida a Nova Schin e um quibe do tamanho dum rojão. Dirigindo-se até os domínios do bairro da Água Branca, os zasalhas chegariam até o seu primeiro estabelecimento, numa região abarrotada de galpões, indústrias e campos de futebol.

O primeiro estabelecimento visitado por Zaso Corp. foi a Churrascaria Simpatia Gaúcha. A tarde já havia entrado em cena há algumas horas, o relógio já apontava as dezesseis. Ao chegarem até o local, se depararam com um clima de fim de expediente. O que parecia ser nenhum cliente indicava que em breve a churrascaria fecharia suas portas. Timidamente, os jovens adentraram o local, se dirigindo ao caixa, que ficava logo à direita da entrada, ao lado de algumas geladeiras. Uma rápida batida de olho ao redor já indicava que haviam muitos quadros penduradas nas paredes do estabelecimento, até mesmo com indicativo de preço. Estava confirmado, estavam à venda. Um solícito funcionário apontou para uma das mesas do local, quando perguntado sobre quem era o gerente. Ali estava o pequeno Gilberto Teixeira de Lima, o Beto, devorando um apetitoso marmitaço. O paranaense, que é gerente do local há 6 anos, pediu encarecidamente para que os enviados de Zaso Corp. voltassem em alguns instantes, para que ele pudesse terminar seu tardio almoço. Foi exatamente o que ocorreu.

Ao lado da churrascaria, um bar de procedência duvidosíssima, exatamente da maneira que Zaso Corp. gosta, abria os braços para a juventude brasileira, era ali mesmo que os zasos pousariam para esperar que Beto terminasse seu almoço. Três homens adultos e alcoolizados conversavam à frente do bar, sendo que um deles, que calçava um tênis de corrida verde e azul de estourar a boca do balão, era o mais efusivo de todos, praticando gestos abruptos e interrompendo seus amigos frequentemente. Enquanto isso, os zasalhas terminavam de definir um caminho de perguntas a serem feitas na churrascaria, enquanto tomavam um litrão de Brahma e uma caipirinha da feijoada, a nova mania do momento, adquira já a sua. Como? Mais informações neste link. Quinze minutos pareceram o suficiente para que pudessem voltar à churrascaria. Pouco antes de quitarem suas dívidas, os jovens observaram que o cidadão citado anteriormente, entupido de cana, e que não parava de falar de si próprio e de seus desinteressantes negócios, se despediu de sua patota e se dirigiu a um luxuoso e impressionante Audi sedan que parecia ter saído diretamente de um filme de espionagem, estacionado algumas vagas antes do humilde boteco. Impressionados, os zasalhas observaram-no indo embora, enquanto um dos homens que estavam à frente do bar com ele soltou naturamente um “esse cara é chato pra caralho, né?”. Foi a deixa para que Zaso Corp. voltasse para a Simpatia Gaúcha.


Novamente na churrascaria, o cenário já havia mudado um pouco. Cadeiras viradas se aglomeravam em cima das mesas, enquanto os pouquíssimos funcionários conversavam num misto de limpeza de recinto e descontração. Beto estava sorridente à espera dos zasóides. O paranaense Gilberto Teixeira, natural da cidade de Quedas do Iguaçu, afirmou não entender nada de arte, apesar de sentir relativa admiração. Perguntado sobre os quadros que povoavam as paredes da churrascaria, afirmou que eram pertencentes a Clara Padovani, uma senhora artista plástica da cidade de Santos. Antiga amiga do dono do estabelecimento, Clara vende seus quadros no local há 13 anos, tanto naquela unidade quanto nas outras quatro que a Simpatia Gaúcha possui na cidade. O acordo entre a artista e a franquia de churrasca é simples e objetivo: ninguém cobra absolutamente nada de ninguém, sendo que o garçom que for responsável pelo atendimento do cliente leva 10% de comissão sobre o quadro. As obras giram em torno dos quinhentos reais, valor estipulado pela artista, que pinta, majoritariamente, paisagens e animais silvestres. Segundo Beto, a idéia da parceria veio da própria artista, rapidamente acatada pelo proprietário do estabelecimento. A preferência por localização dos quadros e conteúdo das pinturas cabe exclusivamente à Clara, que nunca precisou receber nenhum pitaco da gerência em relação a suas obras. Segundo Gilberto, o último quadro vendido pela casa foi há cerca de duas semanas, para um empresário norte-americano que levou a obra para os Estados Unidos. Quem intermediou a transação foi um amigo do mesmo, já que o empresário sequer falava português. Beto ainda afirmou que naquele dia foi pego de surpresa, tendo que rasgar algumas caixas de carne para embrulhar e selar a parruda obra de arte, que foi vendida pela bagatela de quatrocentos e setenta reais. O mercado das artes de churrascaria vinha se mostrando promissor.


O ameno assunto entre os zasalhas e Beto, o gerente, chegou finalmente a um ponto bombástico, uma informação polêmica seria lançada ao ar como um peido alucinante. Segundo o anfitrião, muitos jogadores do São Paulo Futebol Clube costumam comer na churrascaria, entre eles Kelvin e o goleiro Denis. O gerente afirmou que o guarda-metas são-paulino é morador dos entornos, sendo proprietário de um apartamento em um destes novíssimos condomínios varanda gourmet. O jogador foi protagonista de um dos grande momentos recentes da história da arte de churrascaria. Ainda este ano, Denis surgiu no estabelecimento para comprar marmita para os pedreiros que trabalhavam em sua casa, provando o quão gente fina é. Enquanto praticava a boa ação do dia, encantou-se com um quadro que estava à venda, não titubeando em desembolsar uma quantia considerável no mesmo. Meus amigos, o goleiro Denis, do São Paulo Futebol Clube, é proprietário de uma obra de arte de churrascaria. Infelizmente, o solícito gerente não soube dizer aos zasalhas qual seria o quadro, uma lástima, realmente. Deixemos que a imaginação percorra o infinito. Segundo Beto, é muito comum que seguranças do clube tricolor venham até o estabelecimento e tirem fotos de alguns quadros para mostrar aos jogadores e cartolas do clube. Porém, o gerente não se lembrava de nenhum outro jogador que tivesse consumido arte de churrascaria. Já era o suficiente. A relação com o clube é tão positiva que Beto frequentemente ganha ingressos para assistir ao tricolor, já que sua esposa é são-paulina, apesar de ele se dizer torcedor do Santos. Perguntado sobre o Palmeiras, que também tem centro de treinamento nas redondezas, Beto disse que não é tão comum que os jogadores do clube frequentem o local, com exceção da ex-promessa alviverde, Alemão, o goleiro que prometia mas não cumpriu grandes coisas, a não ser se o assunto for consumo de carnes diversas. Felizes com as informações que receberam, os zasórios perguntaram, por fim, quais seriam as preferências musicais e alimentícias do gerente paranaense. Gilbertão afirmou ser grande entusiasta de sertanejo e rock bagunçado, como ele mesmo definiu. Bagunceiro que é, assumiu ser entusiasta ferrenho de costela de boi, excelente pedida. Com as mentes abarrotadas de suntuosas informações, faltava apenas Zaso Corp. consumar registros fotográficos da situação. O primeiro contato com o mundo da arte de churrascaria já trouxe algumas clarividências, sobretudo em se tratando do quão estreita é a relação entre artista e dono do estabelecimento.

O fim da tarde já começava a dar suas caras, era preciso seguir para o segundo santuário, localizado na famigerada e nada suculenta, Marginal Tietê. Um trânsito fecalóide ameaçou ceifar o bom-humor dos jovens zasalhas, que resistiram bravamente. Ao lado do decadente Estádio do Canindé, pertencente à agonizante Associação Portuguesa de Desporto, e já com a noite se instalando no céu da cidade, se encontrava a próxima parada de Zaso Corp., a Marginal Grill. Ligeiramente chumbados de latas de Itaipava, e no rebote de uma caipirinha da feijoada que desceu fazendo cafuné no figo, os zasalhas chegaram à churrascaria de maneira triunfal, com Daniel entrando pela saída do local. Era hora de sondar o terreno.

Na porta do estabelecimento, carros nada populares desfilavam lentamente procurando por uma vaga, enquanto um grupo de asiáticos muito bem vestidos tiravam o que parecia ser uma foto de família. Ao centro do registro fotográfico estava uma figura pomposa e que parecia famosa à primeira vista. Jonas observava atentamente a cena, muito mais vidrado do que os outros zasulhas. Foi então que teve uma epifania: se tratava de Issao Imamura, o mais renomado ilusionista da televisão brasileira. Automaticamente, o jovem entrou numa urgência de perguntar para o homem se ele realmente era o mágico descendente de asiáticos. Ao comentar com os outros zasalhas sobre o devaneio, foi prontamente rechaçado, porém, estava com tamanha certeza e convicção que conseguiu causar dúvida em Daniel e Leandro, praticamente convencendo-os. Um funcionário da churrascaria observava tudo à entrada do local, olhando para os jovens com semblante de desaprovação. A fim de tirar a dúvida, Zaso Corp. perguntou ao honesto trabalhador se aquele em questão era algum famoso. Confuso, o funcionário respondeu-lhes que não tinha tal informação. De coragem criada, e com o incentivo dos outros zasógenes, Jonas resolveu futucar o possível ilusionista, perguntando-lhe, timidamente, se ele era realmente Issao & Mamura. A pergunta causou diarréia mental no pobre homem, que do alto de sua gravata borboleta desferiu um “não” esganiçado e afeminado. De maneira cretina, Jonas atribuiu o erro crasso à Leandro, acusando-o, em alto e bom som, de ter dito que se tratava de seu ídolo, iludindo-o de maneira baixa. Enquanto isso, membros da família, ou amigos, do falso Issao não paravam de chegar. Já afastados do homem, os zasóides resolveram recorrer ao Deus Google, que mostrou que o pobre rapaz não tinha absolutamente nada a ver com o mágico. Uma olhada mais atenta no cidadão de origem asiática ressaltou uma característica que chamou a atenção dos zasalhas, uma grande pinta no rosto, muito semelhante à do líder mundial Eri Johnson, detalhe que Issao Imamura jamais teve a honra de possuir.

Depois da decepção de não poder dar um acalorado abraço no ilusionista Issao Imamura, Zaso Corp. teria que vencer o baixo-astral fazendo perguntas acerca de artes e carnes para quem soubesse-lhe responder. À princípio, o mesmo funcionário que recebeu os jovens zasalhas de maneira assustada insistia em dizer que o gerente estava muito ocupado e que aquela não era uma boa hora. Ao redor do espaçoso recinto, diversos quadros, maiores que os da primeira churrascaria, tomavam conta do local, sobretudo com temáticas de paisagens e religião. Ao mesmo tempo em que os zasos eram semi-barrados, um homem de óculos e semblante de importância observava a cena, aparentando não estar nada ocupado. Os zasalhas intuitivamente se dirigiram a ele, que diplomaticamente recebeu-os. A intenção era saber se ele era o gerente do local. Educadamente, o homem disse-lhes que sim, que era o maitre da churrascaria, que significa mestre em francês, informação que os humildes zasaolhos não tinham conhecimento. Vivendo e aprendendo. O solícito funcionário se chamava Isidoro, natural de São Miguel d’Oeste, em Santa Catarina. O torcedor do Grêmio, e especialista em carnes, trabalhava no local há 6 anos, o suficiente para ter vivenciado as mais diversas aventuras, sobretudo em se tratando de churrasca. Perguntado sobre arte, afirmou não gostar do assunto. Isidoro afirmou para a equipe Zaso Corp. que a responsável por todos os quadros expostos no suntuoso salão era Maria do Carmo, que já expõe na casa há 3 anos. Segundo o mesmo, a idéia da parceria veio da própria artista, que coloca suas obras também em outros estabelecimentos, como hotéis, restaurantes e bares. O sistema de comissionamento é exatamente o mesmo que na Churrascaria Simpatia Gaúcha, com 10% do valor da venda indo diretamente para a pochete do garçom responsável. Dentre as muitas pinturas que recheiam a casa, as que fazem mais sucesso sem dúvida são as religiosas, sendo que o quadro mais vendido é uma imagem de Jesus Cristo abraçando Chico Xavier, que estampa uma risada sapeca em seu semblante. Inclusive, a mesma foi vendida para um cliente dois dias antes. Em média, a casa vende dois quadros por semana. Toda vez que um dos quadros de Maria do Carmo é vendido, a artista prontamente o repõe com outro no lugar, muitas vezes o mesmo que estava lá anteriormente, em caso da obra ser um sucesso de vendas.

O clima ao redor era bastante abastado, muitas famílias transparecendo quantidade de riqueza considerável se deliciavam com carnes de fina estirpe. Isidoro parecia satisfeito, havia algo em seu olhar que entregava sua paixão pelas carnes. Perguntado sobre situações curiosas, o maitre afirmou que há cerca de três anos atrás, quando Maria estava começando a expôr seus quadros no local, um empresário dono de fazendas, que se alimentava em uma das mesas do estabelecimento, olhou ao redor e resolveu comprar todos os quadros do salão de uma só vez. Tendo piripaque por debaixo do terno, Isidoro logo mobilizou a equipe da casa para embrulhar os dezesseis quadros do salão. Sem dúvida, uma das maiores compras da história da arte de churrascaria. O solícito Isidoro afirmou trabalhar apenas com Maria do Carmo. Apesar de outros artistas já terem oferecido parcerias com a casa, o maitre considera logisticamente mais fácil trabalhar com uma pessoa só. Palavras de um profissional. Questionado sobre qual quadro compraria, o anfitrião titubeou, porém, acabou confidenciando que, se fosse para escolher, com certeza seria uma paisagem. Apesar de religioso, não consumiria arte sacra de churrascaria. Sua carne preferida é costela e em seus ouvidos um sertanejo estrala em alto volume. Por fim, para terminar esta conversa inspiradora, Isidoro afirmou que nenhum jogador da Portuguesa jamais comprou nenhum quadro no local, apesar de funcionários e boleiros do clube frequentarem com certa frequência o estabelecimento. A churrascaria mostrou-se em outro nível de clientela, muito mais propícia a tirar o escorpião do bolso e consumir artes.

A missão na Marginal Grill estava cumprida, as informações adquiridas haviam sido de grã-valia para Zaso Corp. Agora, o próximo destino seria a Churrascaria Boi Gaúcho Grill. O recanto de carnes e obras de arte não era nada longe de onde estavam, localizado na própria Marginal Tietê, sentido Zona Leste. Em cinco minutos, estacionaram o carro numa rua mal iluminada logo atrás do estabelecimento, que jogava suas luzes epiléticas sobre o trânsito. O local curiosamente não tinha a aparência de churrascaria, lembrava mais um restaurante de beira de estrada. Se isto era bom ou ruim, fica no ar.


O interior da churrascaria era um tanto diferente do costume, com um mezanino na parte de cima, onde a maratona da alimentação realmente acontecia. Atendidos prontamente por uma bela senhorita, os zasalhas já podiam observar algumas obras de arte posicionadas no andar térreo. Assim como nos estabelecimentos anteriores, animais e paisagens dominavam as paredes, uma característica típica da arte de churrascaria. No andar superior, contribuintes se deliciavam com as opções que a casa oferecia, enquanto um robusto buffet fazia a retaguarda para quem quisesse desbaratinar com algum acompanhamento. À frente da bancada que separava a cozinha do salão, estava Fabio Jr., o gerente do local. Morador de São Paulo há dezoito anos, de seus trinta e cinco, e nascido em Dionísio Cerqueira, Santa Catarina, o sério e comedido funcionário se disse gerente desde 2012, ano em que aquela unidade da Boi Gaúcho foi inaugurada. Existem mais duas unidades da churrascaria, uma localizada no bairro da Penha e outra em Ermilino Matarazzo, também Zona Leste. Mais um catarinense gerenciando churrasco. Perguntado acerca dos quadros que recheiam os dois andares do estabelecimento, Fabio afirmou que todos pertencem a Sheila, esposa do proprietário da casa de carnes. Em época de vacas magras, o anfitrião afirmou que o último quadro foi vendido há dois meses atrás. Mesmo assim, nunca deixaram de vender as obras, que vêm sendo expostas desde a criação da unidade Marginal. O sistema de comissão é o mais clássico do planeta, 10% do valor para o garçom responsável pela venda. A senhora Sheila utiliza a pintura como hobby, aproveitando o local para exposição e, quem sabe, tirar um troco. Os valores de cada quadro flertam com os quatrocentos reais, sendo que a artista não chegou a baixar os preços por conta da forte queda de suas vendas. Segundo Fabio, o público que mais consome a arte de Sheila é idoso e feminino, uma combinação que aliada ao consumo de churrasco pode gerar grande enstusiasmo pela pintura. Sem muitas delongas, o gerente afirmou também que outros artistas já quiseram expôr na casa, porém, sem sucesso. Quando o assunto é arte, Fabio não tem uma preferência, mas quando o assunto é carne, o jogo muda. O gerente é grande entusiasta da costela que ele mesmo faz em casa, justificando que no aconchego do lar, e sem pressão, as carnes são preparadas com mais afinco. Seus ecléticos ouvidos são alegrados por um sertanejo, porém, dentro dos domínios da churrascaria a música que embala os clientes é o pop rock. Conforme perguntas pessoais foram sendo feitas, o funcionário foi se tornando mais acessível, dizendo até mesmo que é são-paulino roxo, simpatizando também com a Chapecoense, por conta da proximidade que a cidade de Chapecó tem com sua cidade natal. Tendo absorvido tamanhas informações, restava para Zaso Corp. a imersão artística por meio de registros fotográficos, o cenário estava recheado de arte.


Muita arte psicodélica foi vista na Churrascaria Boi Gaúcho, os zasalhas atingiram naquele momento um nível de inserção em paisagens bucólicas e animais distorcidos além do que um cidadão médio atinge em trezentos e sessenta e cinco dias. De volta à rua, uma idéia polêmica surgiu entre os jovens: deixar o carro onde estava estacionado e andar a pé até a churrascaria vizinha, que se localizava praticamente parede com parede com a recém-visitada. O local se mostrava o mais grã-fino de todos, ostentando uma fachada de altíssimo índice de sofisticação, lembrando muito um motel de luxo. Do lado de fora do local, alguns quadros podiam ser vistos nas paredes, recheadas de rochas, o que trazia uma atmosfera rústica porém abastadaça ao ambiente. Zaso Corp. acabara de adentrar a propriedade da Churrascaria Boizão Grill.


Intimidados pelo disparate entre o recinto e a própria mulambice pessoal, os zasalhas foram adentrando o saguão quase que como mendigos em busca de um troco. Imediatamente, um fato curioso chamou a atenção de Zaso Corp., a presença massiva de asiáticos no local. Roupas, gestos e trejeitos demonstravam que eram imigrantes, de fato. Muito bem vestidos e abastados, usufruiam dos mais tenros serviços que a casa tinha a oferecer. Uma pesquisa instantânea apontou que 75% das mesas estavam ocupados por pessoas provenientes do continente asiático. Enquanto observavam tal curiosidade, foram atendidos por um elegante funcionário, se tratava de Antonio, o solícito gerente da Churrascaria Boizão Grill. Assim que os jovens zasóides explicaram ao anfitrião paulistano de 55 anos a quê vieram, o mesmo prontamente afirmou que já há três anos não vendiam mais arte na casa, os quadros expostos nas paredes eram meramente decorativos.
O gerente Toninho é entusiasta do estilo de carne Baby Beef, o primeiro até então a não dizer que sua carne favorita é costela. Curtidor de um misto de música sertaneja universitária e Supertramp, combinação deveras atípica, realmente fez questão de atender aquelas pobres almas de maneira atenciosa. Depois de alguns minutos de conversa refinada, Antonio explicou para Zaso Corp. que a exposição de artes no local teve duas fases distintas: a de venda e a de apenas exposição. Na primeira fase, a artista plástica Rosana Cavalcante foi a primeira a expôr e vender seus trabalhos na casa, obras que retratavam, em sua maior parte, equinos hiper-realistas. Em seguida, foi a vez de Marli Magri, que na realidade é especialista em decoração de interiores, e possuía ateliê em conjunto com Rosana. Já em fase de rompimento com a venda de quadros, a churrascaria passou a fazer parceria com Nora Amaral, responsável por boa parte do acervo exposto nas paredes do local, que, segundo Antonio, foi comprado em leilão pelo líder supremo do estabelecimento. Vai entender. Perguntado acerca do motivo do rompimento com a venda, o funcionário se ateve a apenas dizer que a atitude partiu das próprias expositoras, não entrando em maiores detalhes. Segundo ele, as vendas iam bem, o que leva a crer que o motivo foi meramente pessoal. Na realidade, ao contrário do modus operandi utilizado nas churrascarias anteriores, a casa não levava absolutamente nenhum tostão com a venda dos quadros, toda a bufunfa ia para a bolsola das artistas responsáveis. No máximo, traziam uma lembrança, ou algo que o valha, para o maitre. Segundo Antonio, não há motivo para sentir falta das épocas de venda de arte. Perguntado sobre propostas para exposição no local, afirmou que um artista chamado “Wesley Alguma Coisa” veio até eles para propôr uma parceria, trazendo obras no mesmo estilo que o notório pau-mole Romero Britto. Ainda em se tratando da arte que dominava o local, Fabio afirmou que Nora Amaral é amiga da cúpula suprema da churrascaria, inclusive vindo com certa frequência consumir carnes de procedência excelente. Seu impressionismo parecia realmente ter impressionado os Zasos, aqueles eram de longe os quadros mais belos vistos até então. Uma pena que a casa não trabalhe mais com a venda de arte , nada que uma boa negociata não resolva, foi o que Antonio confidenciou a Zaso Corp.

O cheiro da churrasca é um dos mais preciosos presentes que a vida pode trazer. Já alcançando a quinta churrascaria, Zaso Corp. voltava para o automóvel de Daniel Kubalack praticamente besuntado no aroma de carnes. Com a motivação estralando, era hora de adentrar mais os domínios da Zona Leste paulistana, em direção ao bairro da Água Rasa. Um trânsito noturno tomava conta do bairro, que é conhecido por possuir esta característica. O caminho teve fortes emoções, como, por exemplo, latas de Itaipava e uma virada na contramão que quase fez com que a vida dos jovens aventurilhos cessasse de existir. A churrascaria a ser visitada não poderia ter um nome mais propício, Belas Carnes. Vinte minutos foram suficientes para que Zaso Corp. chegasse à entrada do estabelecimento, que fervilhava com música ao vivo e clientela parruda. Ao passarem pela entrada, perceberam que o nome que constava no letreiro era Churrascaria Anália Franco, diferente do que a pesquisa por casas de carnes havia indicado. Não havia problema, contanto que houvesse arte.


Depois de estacionar o automóvel e já começar a sentir o aroma da churrasca, Zaso Corp. finalmente adentrou o local, por um grande corredor iluminado abarrotado de mesas. Nas paredes, quadros de diferentes tamanhos e formatos davam as caras, os mais variados até então. Ao fim do corredor, um enorme salão com um buffet ao centro impressionava pela fartura, muitas pessoas se deliciavam de alimento enquanto escutavam a música popular de uma dupla sertaneja que tocava ao vivo no local. O movimento era intenso, nenhum funcionário parecia estar livre para atender os jovens. Ao contactarem o único garçom que parecia estar desocupado, perceberam que uma figura engomada e portadora de mullets, o melhor cabelo do mundo, os seguia. Se tratava de Valdeci, o dono do império Belas Carnes, que agora se chamava Churrascaria e Pizzaria Anália Franco. O gaúcho de Passo Fundo, morador de São Paulo há vinte e sete anos, acabara de adquirir a posse da churrascaria, há seis meses. Segundo o próprio, os quadros expostos nas paredes não estavam à venda, já estavam dispostos no local antes de sua aquisição. Valdeci nunca havia pensado sobre venda de quadros na churrascaria, demonstrando não ter muito interesse no assunto. O proprietário, no alto de seus quarenta e cinco anos, afirmou que tem como preferência pessoal o estilo de carne picanha, com uma queda também por uma costela, a preferida absoluta da rapaziada. Ao saberem da não venda de arte no local, os jovens finalizaram o assunto perguntando qual quadro Valdeci mais gostava. Dando uma rápida passada de olho no salão, apontou para uma pintura de três cavalos caminhando sobre a água. Na Churrascaria Anália Franco a arte não parecia ter um papel fundamental. Por fim, se despediram do solícito homem, que usava impressionantes sapatos sem meias com detalhes dourados que brilhavam e cegavam quando refletindo a luz do lustre. Ao som do sertanejo, estilo musical favorito do proprietário da casa, os jovens voltaram para o automóvel de Daniel, era hora de partir para o último e derradeiro estabelecimento.


O percurso até a última parada era o mais longo de todos, cruzando uma parte considerável da cidade entre o Tatuapé e a Lapa. Cansados, porém destemidos, os zasalhas se perguntaram se realmente deviam ir até a última churrascaria. Rapidamente, o espírito investigativo falou mais alto, era hora de ligar os motores e partir para a Churrascaria Gaúchos da Pio XI. O percurso de quarenta minutos seria marcado por músicas dos anos 80, latas de Itaipava e trânsito intenso, uma combinação clássica do cidadão paulistano.


Depois de intensa viagem, restava para a rapaziada de Zaso Corp. estacionar o carro na mal-iluminada Rua Pio XI e trocar algumas palavras com alguém que pudesse esclarecer a relação entre a churrascaria e arte. Adentrando o local prometido, um clima de fim de expediente já pairava no ar, as nove da noite iam batendo forte o tamboraço. Ao redor estavam os mais variados tipos de quadros, que iam de paisagens típicas de casas de carnes até formas geométricas e abstratas. A primeira coisa que fizeram foi dirigir-se ao caixa, onde um sorridente homem de óculos de grau se mantia em pé. Seu nome? César, sócio da Churrascaria Os Gaúchos da Pio XI. Curiosamente, o proprietário era natural de Chapecó, Santa Catarina, onde nasceu há quarenta anos atrás. Torcedor do Grêmio e entusiasta de fraldinha, tendo um apreço grande por costela, César afirmou que os quadros que estavam pendurados nas paredes não estavam necessariamente à venda, porém, se alguém quisesse pagar uma boa quantidade por algum deles, prontamente negociaria. A maior parte dos quadros expostos é do artista plástico Pixote, não confunda com o famoso grafiteiro. Segundo o solícito homem, antigamente, mais precisamente há 10 anos atrás, a casa vendia quadros, que, segundo ele, não traziam muito retorno. O mais caro já vendido no local chegou a bater a marca de R$700, uma bela paisagem de campo. Na época, 20% do valor ficava para o estabelecimento, a comissão mais parruda documentada por Zaso Corp. Em determinado momento, o artista em questão, que não foi divulgado, resolveu ir para o interior, cessando assim a relação entre a churrascaria e a venda de obras artísticas. César não é entusiasta de arte, afirmando que o quadro que mais gosta é o de uma paisagem rebuscada, muito típico de churrascaria. Perguntado sobre a possibilidade de colocar quadros de carnes nas paredes, afirmou de maneira sincera que este é um assunto que poderia ser conversado. Por fim, Zaso Corp. quis saber se o proprietário gostaria de voltar a vender obras de arte no local, que afirmou não ter essa pretensão. O comércio de pizzas e carnes já parecia suficiente para César.



Com a sensação de missão cumprida, Zaso Corp. se sentiu parte do seleto clube dos frequentadores de churrascarias que vendem arte. Entusiasmados com a idéia de acabar a noite consumindo churrasco em uma casa de carnes, resolveram se dirigir a uma churrascaria próxima do Aeroporto de Congonhas, com preço mais popular, que infelizmente estava fechada, o que fez com que os zasalhas acabassem por consumir hamburguer em um estabelecimento próximo, quase que em protesto. Independente do final da aventura, algumas conclusões curiosas puderam ser tomadas com base no que Zaso Corp. viu e experienciou, sobretudo relacionada a padrões de comportamento. O domínio sulista quando o assunto é churrasco é conhecido por todos, porém, os zasalhas não imaginavam que tantos catarinenses gerenciassem casas de carnes. Das seis churrascarias visitadas, quatro possuíam gerentes nascidos no estado. Inclusive, o proprietário da Churrascaria Os Gaúchos da Pio XI curiosamente é catarinense. Outro dado curioso levantado por nossa equipe é o fato de que todas as obras expostas à venda nas churrascarias visitadas foram feitas por mulheres, relação que não necessariamente faz sentido. Outra intersecção interessante que pôde ser observada foi em relação à preferência de paisagens e animais que as churrascarias têm, tema que parece reinar no meio. Aparentemente, a venda de quadros nos estabelecimentos não é exatamente uma prioridade, sobretudo por conta da baixa comissão que é revertida para a casa. Com o sertanejo habitando os ouvidos, os proprietários e gerentes parecem tratar o assunto mais como decoração do que negócio, enxergando a oportunidade de lucro como um bônus. Infelizmente, os jovens zasalhas não tiveram condições de adquirir arte de churrascaria por conta do alto valor.
Apesar de não ter visitado todas as casas de carnes que trabalham com arte, a experiência já foi suficiente para que os jovens envolvidos pudessem ter um plano geral da maneira como esta parceria entre churrasca e obra artística funciona. Zaso Corp. altamente recomenda o prazer e entusiasmo que só um quadro de arte adquirido nestes estabelecimentos pode proporcionar. Se você é fã de artes e carnes, faça como o goleiro Denis e adquira já sua obra de arte de churrascaria.
Caraca, nunca pensei que ficaria tão entretido por um assunto tão trivial. Sempre me perguntei se os quadros dos restaurantes e churrascarias realmente eram vendidos. Faltou saber se o excesso de aromas e fumaças vindos da churrasca garantem um tipo de verniz natural feita de gordura bovina sobre as telas…
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Quedas do Iguaçu, Dionísio Cerqueira, Chapecó, São Miguel do Oeste…praticamente todos meus vizinhos ahaha. Divertida reportagem, sobre algo tão trivial. Isso mostra que o mundo é cheio de histórias. Parabéns.
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