De Volta Para o Passado – Ascensão e Queda das Videolocadoras

Fotos: LEANDRO FURINI | Texto: JOE BORGES | Produção: DANIEL KUBALACK

O entretenimento é um dos maiores combustíveis que existem para tornar a vida tolerável o suficiente para que não ocorra um surto psicótico coletivo, se equiparando à religião e à pinga com limão como forma de anestesiar as mazelas da vida. Com a ascensão de novas tecnologias e meios de comunicação, muitos novos hábitos começaram a surgir na vida de milhões, e quiçá bilhões, de pessoas, sobretudo quando o assunto é entretenimento. Uma das áreas mais afetadas por essas evoluções tecnológicas foi o cinema. O consumo de filmes e séries, principalmente nas últimas quatro décadas, se mostrou muito alto e, para que isso se concretizasse, se fez necessária uma série de artifícios que possibilitassem essa ponte entre a produção cinematográfica e os olhos, e consequentemente o cérebro, do público consumidor. Para que estes artifícios mencionados pudessem ter a força e efetividade necessárias, e estas produções audiovisuais adentrassem os lares dos entusiastas, surgiram estabelecimentos comerciais repletos de estantes de filmes e séries, com funcionários altamente capacitados para auxiliar e direcionar consumidores que viessem ao local, permitindo assim que os interessados num entretenimento caseiro plurisensorial alugassem ou comprassem estas produções cinematográficas que recheavam fitas de vhs e discos compactos de dvd/ blu-ray. Este recinto, que saboreou tempos de glória, e agora de decadência, é popularmente conhecido como videolocadora.

Vasculhando Escombros

Quem viveu os anos 80/90 teve o prazer de acompanhar a Era de Ouro das Videolocadoras, que se espalhavam por toda a cidade tanto quanto pizzarias. Fontes nada confiáveis afirmam que para cada pizzaria em São Paulo, e sempre foram muitas, existia uma locadora. No entanto, sobretudo com a tv a cabo e a banda larga se tornando mais acessíveis, as locadoras começaram a perder gradualmente espaço. Há cerca de quinze anos, a plataforma digital ia começando a desferir suas mucas no queixo da plataforma física, que não demorou a acusar o golpe, obrigando o juiz a abrir contagem diversas vezes. A praticidade e o custo-benefício da tv a cabo, e mais tarde de meios online de consumo audiovisual, começaram a brocar este tradicional alicerce que consistia no ato de ir até a locadora, fazendo com que, consequentemente, sua obsolescência passasse a levar muitos estabelecimentos a fechar as portas. É completamente compreensível que esta ordem natural de sobreposição de hábitos viesse a acontecer. Porém, não deixa de ser lamentável, entrando num âmbito quase que ritualístico, levando em consideração o que representava a ida à videolocadora num sábado à noite com os pais, namoradx, amigos e/ou inimigos para correr os olhos por sessões diversas de filmes e séries, compondo um momento de interação humana cada vez mais raro em tempos atuais. Com base nisso, os zasalhas Jonas e Leandro iriam atrás dos estabelecimentos remanescentes desta tsunami que varreu do mapa a maior parte das, outrora tão requisitadas, videolocadoras. Porém, os dois aventuróides não entrariam nesta saga sozinhos. Contando com a astúcia e comprometimento do agora produtor, entusiasta, colorado e colaborador zasáico Daniel Kubalack, recém-agregado com grande louvor, partiriam à bordo de seu estupendo automóvel, um Ford Ka de cor branca, vindo diretamente, e ao vivo, dos tremendaços anos 90, em busca destes templos esquecidos e que tanto trouxeram alegrias aos lares paulistanos, brasileiros e mundiais. Começava a busca pelas videolocadoras perdidas.

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Ao longo de uma semana, Daniel fez um preciso levantamento de quais locadoras ainda poderiam estar disponíveis e em pleno funcionamento num raio que compreendia todas as zonas da cidade, sem se afastar de maneira obtusa do centro paulistano. A partir desta relação de estabelecimentos, alguns pontos interessantes já começavam a vir à tona, como o fato de muitos sites de lugares que ainda constavam no Googlemaps estarem fora do ar, sendo que quando não estavam eram absolutamente desatualizados, e o grande número de acervos de videolocação anunciados em sites de compras e vendas, de maneira praticamente desesperada. Ficava evidente que, para muitos proprietários de videolocadoras, todo seu acervo e aparatos diversos eram um verdadeiro elefante branco. Já com esse levantamento de quais lugares poderiam receber a presença de Zaso Corp., faltava passar o popular pente-fino para saber se eles ainda existiam de fato. Com base em ligações telefônicas e duvidosos ninjas informantes mais do que bem posicionados, os não mais de vinte e poucos estabelecimentos que pareciam teimar em cessar seus trabalhos já iam sendo reduzidos a cerca de uma dúzia. Depois de uma reunião de baixa emergência, os três juvenaltas traçaram um mirabolante plano para concretizar tal investigação, definindo uma ordem de abordagem. No sábado, por volta das 14h, começaria a missão em busca das videolocadoras remanescentes na cidade de São Paulo. A bordo do Ford Ka de Daniel e já com o plano de ordem definido, os zasóides partiram da região da Vila Nova Conceição em direção ao centro, mais precisamente para o bairro da Vila Buarque, na região da Santa Cecília.

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Planos.

A Solitária da Vila Buarque

Ao chegarem ao local prometido, se depararam com uma vizinhança cheia de pequenos comércios e carismático prédios baixos, antigos em sua maioria, característica do bairro da Vila Buarque. Dentre estes pequenos comércios, havia um pequeno estabelecimento de paredes brancas nuas, atiçando os jovens com suas estantes não tão recheadas de caixas de dvd’s como outrora. Do lado de fora, duas mulheres, um homem e uma criança estavam socializando despretensiosamente, enquanto uma placa indicando um “saldão de filmes” estava postada para quem passasse pelo local e estivesse afim de levar a filmografia inteira de Nicolas Cage por vinte cruzados. Timidamente, os zasos adentraram o recinto, sendo imediatamente fitados pelos nenhum presentes. Uma olhada ao redor já deixava claro que haviam diversas mercadorias de conveniência doméstica, como lixeiras, baldes, ventiladores e produtos eletrônicos e de hardware, como pilhas, baterias, pendrives, relógios e cartões de memória, dividindo o mesmo espaço que os filmes, e, na realidade, já exercendo maior influência visual do que as próprias produções cinematográficas. Ficava evidente uma transição de departamento.

Ao mesmo tempo em que os zasóides adentravam a videolocadora olhando ao redor, como turistas, o homem que estava do lado de fora veio seguindo-os em direção ao balcão. O desconfiado cidadão, grisalho, de óculos e no início de seus 40 anos observava-os sem entender exatamente o que faziam ali, obviamente não vieram alugar ou comprar filmes. Ao fundo, Katy Perry esmigalhava a trufa na rádio, criando uma atmosfera indecifrável, não se sabia se eram bem-vindos ou não. Quando os jovens záseis explicaram a Marcelo, o nome de batismo do atendente, a idéia que tiveram acerca de videolocadoras, e que queriam fazer algumas fotos e uma rápida entrevista com ele, este se tornou ainda mais arredio, argumentando que não queria divulgar o estabelecimento de jeito nenhum, pois gostaria de mudar de ramo gradualmente e isso poderia atrapalhar seus planos. Duvidando da veracidade de Zaso Corp., foi até seu computador de média teconologia, devidamente instalado ao fundo do balcão de atendimento, e acessou este site que estás a usufruir. Logo de cara, navegou web adentro, soltando algumas tímidas risadas quando avistou Seu Bigode, clicando imediatamente em sua matéria. Já mais crédulo e menos arisco, começou a questionar quais as intenções do projeto e como pretendiam divulgar a matéria. Uma conversa de não mais que cinco minutos esclareceu os pontos que se mostravam nebulosos para Marcelo, que se sentiu confortável ao ponto de dar toques de navegação para este site, dizendo que era muito difícil achar o contato d’Zaso Corp. e afirmando que um e-mail ou rede social deveria estar mais visível para o visitante. Já estava íntimo o suficiente para trocar uma palavra com Jonas enquanto Leandro já ia capturando em fotografia o ambiente ao redor. Vale ressaltar que, enquanto a entrevista era preparada, dois adultos de sexo oposto, que supõe-se ser um casal, com seu filho, adentraram o local, para espanto dos envolvidos. O garoto correu para a sessão de ação, até mesmo derrubando um dvd de tanta emoção que tomava conta de seu pequeno corpo. Os entusiastas ainda vivem.

02070504O  gerente/co-dono do estabelecimento e analista de suportes, Marcelo, de 42 anos, é natural da cidade de São Paulo e afirma que a videolocadora já existe há cerca de quinze anos. Com o local evidentemente passando por tempos de vacas magras, afirmou que está realmente migrando aos poucos para o ramo de utilidades domésticas, alternativa que encontrou para não ter que fechar a videolocadora. Segundo o mesmo, o público começou a decair consideravelmente depois da transição do dvd para o blu-ray, que não vingou tanto quanto seu irmão mais velho, que sempre representou uma fatia muito maior dos lucros do local. Incrédulo com uma reviravolta das locadoras, acredita que a tendência para o futuro é que todo o ramo de aluguel e compra de filmes se torne online, varrendo assim da superfície os estabelecimentos em questão. Ainda existe um público reduzido que frequenta o lugar, sobretudo pais acompanhados de seus filhos (como foi experienciado ao vivo no momento) e idosos, que têm uma dificuldade grande em lidar com novas tecnologias, estando menos suscetíveis a deixar hábitos tradicionais de lado em suas vidas . Ainda hoje em dia, as sessões que mais fazem sucesso são clássico e infantil, ultrapassando até mesmo os últimos lançamentos, que, no caso de Marcelo, não estão mais chegando ao local por questões de migração de ramo de atividade.  Os finais de semana sempre foram os dias mais lucrativos para o estabelecimento, que, para Marcelo, decaiu sobretudo por conta da maior acessibilidade que a banda larga começou a ter, representando o segundo grande passo da decadência videolocatória, aliado, mais tarde, ao fato de as pessoas, em geral, começarem a dividir seus tempos, que antes eram dedicados aos filmes, com outras atividades de alto índice de imersão, como o Facebook e o Whatsapp. Marcelo, acredite se quiser, não gosta muito de filmes, mas, em se tratando dos mesmos, prefere os de espionagem e os “blockbusters”. Seu interesse por espiões ficou visível quando mostrou à equipe zasalha o anúncio para venda de sua câmera analógica com lente de longo alcance, com toda uma mecânica extremamente desenvolvida. Marcelo claramente ficou bastante impressionado com o fato de Leandro tirar fotos com câmera analógica, até mais do que se era esperado. Segundo ele, sua irmã também é fotógrafa, mas utiliza aparatos digitais. Perguntado sobre situações inusitadas, afirmou que, em certa feita, dois mendigos, claramente transtornados no entorpecível, entraram dentro da locadora se estapeando, ao ponto em que um deles sacou uma faca e tentou esfaquear o outro, sendo prontamente apartado pelo escangalhado Marcelo, que ainda tirou forças para agir naquele momento esdrúxulo. Por sorte, ninguém se feriu.

O desconfiado e arisco atendente acabou se mostrando bastante aberto à abordagem zasáica, permitindo até mesmo um registro fotográfico, mas não sem antes dar aquele confere na pizza para ver se a suvaca estava em ordem. Enquanto Leandro registrava o retrato, Jonas e Daniel ainda teriam tempo de bater um papo com o casal que adentrou o recinto alguns minutos antes.

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Marcelo, 42 anos, é natural de São Paulo e possui a videolocadora, cujo nome não quis divulgar, junto com sua esposa há mais de 15 anos, no bairro da Vila Buarque. Acredita que o início da decadência do estabelecimento foi durante a transição entre dvd e blu-ray, que, segundo ele, não atingiu as metas que esperava.  Apesar de gerenciar a videolocadora, não é muito chegado em filmes, sendo que espionagem é seu gênero predileto. Desconfiado, duvidou da veracidade de Zaso Corp., tendo se convencido apenas quando acessou o site em seu computador de média tecnologia, criticando a localização da sessão “contatos” dentro desta plataforma que navegas. Na hora da foto, deu um confere na suvaca para ver se não estava com aquela pizza queima-filme.

A psicóloga paulistana Alessandra e o hoteleiro David estavam quase indo embora da videolocadora com o pequeno Miguel quando foram abordados para uma palavrinha rápida. Ambos vieram até a locadora para comprar o dvd do Homem Aranha Três para o menor de idade, de não mais que oito anos, que é deveras entusiasta de desenhos animados e ação. Apesar de terem a cultura de ver filmes em casa, sobretudo através do Netflix e plataformas de aluguel pela tevê, o casal ainda gosta de comprar dvd’s dos filmes que mais lhes apetecem, como uma forma de representação física que a plataforma online não permite. Apesar deste gosto, não o fazem com frequência, haviam meses que não pisavam numa videolocadora. Perguntados se conhecem alguém que ainda tem o hábito de frequentar locadoras de filmes, disseram que não conhecem ninguém, afirmando que acreditam que a tendência é que o ramo se torne completamente online. Alessandra é entusiasta de drama e suspense, enquanto David prefere musicais. A contribuição deles foi tão astuta e veloz que não houve relato fotográfico.

De volta ao atendente Marcelo, que observava de maneira indiferente os relatos dos clientes, logo após atendê-los, ainda deu uma informação quente, de uma possível videolocadora localizada na Av. Angélica, próxima do local, que supostamente ainda estaria aberta, a única que ele conhecia na região. Sem mais delongas, os zasalhas se despediram do cidadão desejando-lhe força e estrutura mental para lidar com sua transição de ramo de atuação.

Agonizando em Praça Pública

De volta ao automóvel, desta vez portando algumas latas de Amstel, a cerveja enganação que é gringa mas não é, resolveram checar o que acontecia na tal videolocadora indicada por Marcelo, que lhes deu a letra sem muita precisão, era necessária uma certa astúcia para achar o tal local. Um tanto em cima da hora, o zasaísta Jonas, que trabalhou na região por alguns bons anos, lembrou-se do estabelecimento, uma pequena porta de vidro ao lado de uma farmácia e abaixo de uma clínica oftalmológica. Ao chegarem no local, que atendia pelo nome de Cinemagia, se depararam com uma placa de “mega liquidação” escangalhada nas faces de quem passasse pela avenida, além dos portões devidamente fechados. O desespero em se livrar do acervo ficava evidente pelo caráter da promoção de mais de oito mil filmes a partir de três reais que a videolocadora ostentava. Aqui podemos, inclusive, conferir um momento de melhores condições do local, uma imagem retirada e cedida gentilmente pela entidade Google.

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Cinemagia, em seu leito de morte.

Depois de deixarem o leito de morte da Cinemagia, os responsáveis pela odisséia rumaram para a região de Pinheiros, mais precisamente para os entornos da Avenida Teodoro Sampaio. Lá estariam duas videolocadoras a serem visitadas pelos jovens, que conseguiriam chegar ao local prometido, mas não sem antes passarem por um trânsito de enrolar os cabelos da raba. A primeira delas era a Macedo Filmes, que logo se mostrou fechada e com uma discreta placa de “vende”. Mais uma baixa para o já desfalcado império das videolocadoras. A segunda era a Local Video, que ainda constava firme e forte nos arquivos da entidade Google, até então, porém acabara virando uma loja de calças jeans com o mesmo nome e que, mesmo assim, estava posta para alugar. A situação não estava favorável.

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Aqui jaz Macedo Filmes.
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A Local Video se tornou uma loja de calças jeans com o mesmo nome e, mesmo assim, foi posta para alugar. Não tá fácil pra ninguém.

Em memória das finadas Macedo Filmes e Local Video, os zasuados comeram um salgado e tomaram uma gelada num botecão da região, antes de partirem para a 2001 – O Cinema Está Aqui, uma das mais tradicionais videolocadoras já existentes na cidade de São Paulo, conhecida por seu acervo diferenciado e mais “culto” de produções cinematográficas. Apesar de já terem a informação de que ela fechara suas portas há cerca de um ano, os zasicas queriam ver o corpo putrefado do estabelecimento com os próprios olhos. A unidade mais perto do local era a da Pedroso de Morais, grudada ao embasbacante Instituto Tomie Otake. Ao chegarem ao lugar, pararam em local proibido para aquele registro fotográfico emocionante, a chegada do fim de tarde trazia uma melancolia extra ao sítio, que jazia abandonado com as já famigeradas placas de “aluga-se”.

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2001 – O Cinema Não Está Mais Aqui

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Trânsito e Otimismo

A próxima parada era mais longínqua, necessitava uma locomoção embebida em trânsito intenso, para o, conhecido pela dificuldade de alcance, bairro do Morumbi. A videolocadora em questão era a Premiere, outro tradicional expoente da locação cinematográfica paulistana, conhecida por abraçar uma fatia do mercado mais elitizada e de poder aquisitivo mais abastado. Cerca de metade de uma hora foi necessária para a chegada ao local. Assim que viraram a esquina da rua em que se localizava a locadora, luzes intensas e movimento por trás dos vidros acusavam que o local estava respirando a plenos pulmões, mais uma sobrevivente.

15O ambiente da Premiere se mostrava bem organizado e polido, demonstrando absolutamente nenhum traço de dificuldade financeira, decadência e mulambagem. Alguns clientes passavam os olhos pela sessão de games, que dava as caras logo na entrada. A variedade de produtos disponíveis impressionava. A princípio, se viam bonequinhos, conhecidos pelos afrescalhados como action figures, porta-retratos, jogos originais para plataformas de videogame diversas, uma vasta sessão de aparatos de hardware que iam desde pendrives até acessórios para câmeras fotográficas, paletas mexicanas, uma geladeira repleta de refrigerantes nada convencionais e, apenas ao fundo, uma vasta sessão de filmes muito bem dispostos por gêneros. Mesmo com a aparência na estica que o local ostentava, era possível ver as tão comuns queimas de estoque de dvd’s, anunciadas em pequenas folhas sulfites coladas com durex à prateleiras e estandes. Tudo isso com uma iluminação ostensiva que não deixava absolutamente canto nenhum às sombras. Impressionados com as condições do local, os correspondentes já se armavam para conversar com o sereno, e com ar de sabedoria, atendente da loja, o único funcionário aparente no estabelecimento. Era apenas uma questão de esperar ele terminar de atender um cliente de meia idade em trajes conhecidos como pijamas, típico de quem mora perto do estabelecimento em questão.

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Tocando o barco com serenidade estava Tadeu Riva, 50 anos, natural de São Paulo, mais precisamente do próprio bairro do Morumbi, e gerente do local há 25 anos, do total de 27 que a Premiere tem. Formado em comunicação e propaganda, mas com cursos que vão de história do cinema a liderança e gestão de pessoas, Tadeu se mostrou preocupado em atingir uma maestria cada vez maior no trabalho, sempre querendo se aprimorar através do estudo. Tadeu afirma que o papel da videolocadora é mais profundo, carregando uma função educativa e que envolve toda uma interação, entre os clientes e os funcionários, que não se encontra simplesmente na plataforma online, afirmando que o serviço se assemelha a um passeio em um museu, ou algo do gênero, apostando numa abordagem mais cultural. Segundo o próprio, a Premiere sempre se preocupou em ter um acervo de filmes clássicos e raros, procurando transcender o que a internet disponibiliza para o entusiasta da sétima arte. Riva contou à equipe que o público mais assíduo do local é formado por pessoas mais velhas e que tiveram acesso a uma “escolaridade” mais desenvolvida, sendo que, em sua maioria, esses clientes são mulheres. Outro grupo que também dá as caras com certa frequência é o de pais que trazem os filhos para fazer uma espécie de iniciação a filmes mais “cultos”. O anfitrião acredita, irredutivelmente, que filmes mais bem “garimpados” podem trazer uma sobrevida para as videolocadoras. Apesar da confiança que ainda traz, não negou que mesmo a Premiere passou por momentos delicados, sobretudo dos últimos sete anos para cá, precisando de artifícios como incorporar venda e troca de games e serviços relacionados à fotografia e conveniência, para encorpar o estabelecimento. A franquia chegou a ter sete unidades espalhadas por São Paulo, sendo que uma por uma foi fechando gradualmente ao longo de alguns anos, sobrando apenas aquela unidade em que  Zaso Corp. e Tadeu se encontravam, a matriz principal. De acordo com o anfitrião, os títulos que mais saem ainda são os lançamentos, naquele momento o que mais fazia a cabeça da clientela era a última produção de Star Wars. Em alguns momentos, Tadeu tinha que parar suas explicações, extremamente didáticas e carregadas de entusiasmo, para atender os clientes que chegavam, e realmente eles existiam com uma certa frequência. Histórias curiosas não faltam no estabelecimento, o gerente deu destaque para pessoas que confundiram nomes de filmes, como Walter World, ao invés de Waterwolde Louva-Deus, ao invés de Amadeus. Exigências bizarras também fizeram parte da história da videolocadora, que foram ecléticas ao ponto de envolverem desde varal até ROJÃO, palavra que não pode ser escrita em caixa baixa, de acordo com a nova gramática brasileira. Tadeu, já bem mais à vontade, confidenciou à Zaso Corp. que a parte que mais irritava-o da labuta, sobretudo nos tempos áureos de videolocadora, eram as reclamações com relação aos valores, afirmando que as pessoas não levavam em consideração toda a estrutura que a locadora possuía na hora de considerarem o preço. Em contrapartida, citou também uma grande alegria de sua vida, que foi conhecer sua atual esposa, irmã de uma ex-funcionária do local. Em se tratando de gostos pessoais, o são-paulino não muito fanático gosta bastante de suspense, tendo, por outro lado, aversão a filmes de terror sem enredo. Um gosto deveras apurado. Foi bastante interessante perceber a diferença de visão, principalmente num sentido de otimismo, entre Tadeu e Marcelo, o anfitrião da videolocadora da Vila Buarque. Tá certo que a grama da Premiere estava bem mais verde, mas essa diferença de visão não deixou de ser um indicativo de que ainda existiam divergências e pluralidade de visão dentro do ramo, o que é sempre edificante.

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Tadeu Riva, 50 anos, São Paulo, é o gerente da Premiere Video há 25 anos. Entusiasta de filmes de suspense, é formado em publicidade e propaganda mas fez cursos que vão de gestão de pessoas até história do cinema. Afirmou que a matriz da locadora, única que sobrou de sete unidades, teve que se re-inventar colocando jogos para videogame e evoluindo sua gama de produtos de conveniência. Otimista, acredita que um acervo de filmes mais bem “garimpados” e raros podem trazer uma sobrevida para o estabelecimento, que funciona como disseminador de cultura. Já tentaram comprar varal e ROJÃO no local.

Enquanto a equipe Zaso se despedia do atencioso Tadeu, um entusiasmado casal chamava a atenção, muito compenetrado na missão de escolher um filme para entreter-se à beça. Com a mão coçando, Jonas teve que abordá-los para ver o que estavam fazendo, enquanto Daniel e Leandro conversavam mais um pouco com o gerente. O casal em questão era formado pela gerente de hotelaria Flávia, de 34 anos, e pelo veterinário Marcelo, de 38, ambos nascidos na cidade de São Paulo. Quando abordados, estavam escolhendo filmes para substituir os dois que haviam alugado dias atrás, vejam só, hábito que gostam de alimentar até os dias de hoje. Moradora dos entornos desde criança, Flávia gosta de frequentar a mesma videolocadora em questão desde sempre, criando um laço que transcende o vasto universo de filmes online, da qual ambos não têm o costume de usufruir. Por questões ideológicas, acham errado e nunca compartilharam do ato de baixar ou comprar filmes piratas, atitude louvável. Flávia é amante dos filmes de suspense e terror, enquanto Marcelo prefere os de ação, fato que não parece atrapalhar o entrosamento do casal na hora de escolher qual título irá habitar seu aparelho de dvd, não são entusiastas do blu-ray. Com nenhuma dúvida, afirmaram sem titubear que não conhecem ninguém que tenha este hábito até hoje. Os últimos dos moicanos.

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O veterinário Marcelo, de 38 anos, e sua namorada, Flávia, de 34 anos, vieram até a Premiere para devolver dois filmes alugados e pegar dois novos. Enquanto ele gosta de ação, ela prefere suspense e terror. Por questões ideológicas, não baixam filmes ou compram produtos pirateados. Mesmo Netflix ou outros serviços que consideram honestos não fazem parte de seus hábitos, preferindo o cinema e a videolocadora.

Com missão cumprida no sobrevivente mais intacto de toda a busca nos escombros, restava voltar para aquele calor humano que é o trânsito do bairro do Morumbi. Para amaciar o terreno, nada como uma rádio cremosa que trouxesse alívio e esperança para o coração dos três zasonautas. Daniel então sintonizou a 105.1 FM, que logo agraciou os ouvintes com um groove dançante. Em determinado momento, o produtor afirma de maneira efusiva que quem estava operando o programa daquele momento era o dj, locutor e amigo pessoal, Fabio Rogério, uma coincidência alucinóide. Enquanto o apresentador respondia mensagens e mandava seus “salves” para os sete cantos do planeta, Kubalack teve a idéia de enviar uma mensagem através do aplicativo Whatsapp com o intuito que Fabio mandasse aquela homenagem ao vivo para Zaso Corp. e Tadeuzão. A idéia parecia sem muito futuro, enquanto os juvenaltas esperavam ansiosos por sua vez de receber um afago ao vivo, já de gravador em mãos. O resultado desta polêmica iniciativa deve, e pode, ser conferido no video abaixo.

X-Ruína

De corações aquecidos com as palavras de carinho proferidas pelo glorioso Fabio Rogério, os três correspondentes partiram em direção à região de Moema para checar uma última videolocadora, a Movie Star. Ao chegarem à frente do que deveria sê-la, se depararam com uma barbearia gourmet, uma tendência fecalóide que toma conta da cidade há algumas luas. Cansados e famintos, resolveram dar-se por satisfeitos por hora, passando agora a desejar um alimento bem-servido. Leandro trocara algumas mensagens com seu pai, morador próximo da região, que lhe atentou para uma videolocadora que possivelmente estaria aberta perto de sua residência. Sem nada a perder, partiram confiantes para uma última tentativa de coletar mais alguns relatos de sobrevivência. Ao estacionarem o carro, cerca de vinte minutos depois, um sentimento de desconfiança em relação ao funcionamento da videolocadora pairou sobre os zasés. Como o sexto sentido nunca falha, mas muitas vezes carece de fontes, o lugar realmente estava fechado e lacrado por um portão mais escuro que a noite. Só lhes restava o carinho e afeto que apenas um hamburguer em promoção no Habib’s poderia proporcionar. Dito e feito.

Há algumas quadras do que um dia fora a videolocadora indicada pelo pai de Leandro, uma unidade Habib’s seduzia as mentes debilitadas e famintas dos aventuróides, que não pensaram duas vezes antes de se deixarem levar pelos mais sórdidos desejos alimentícios de baixo custo. Logo da rua, uma série de remendos de madeira, placas de MDF, plásticos de lixo no teto, tampando o que pareciam serem ruínas de uma obra que deu errado, harmonizando com materiais de construção espalhados de maneira tosca compunham um cenário esquisito dentro do estabelecimento, sem qualquer tipo de isolamento em relação às mesas. Parecia que um atentado terrorista havia acontecido dentro da unidade Vieira de Morais da rede Habib’s. Ignorando o fato, adentraram o local e comeram como se não houvesse amanhã, numa dança de sabores que envolvia x-salada de frango, batata frita com cheddar & bacon, chopp e a mais que tradicional, esfiha de carne.

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Ruínas.

De bucho forrado, decidiram que, apesar de terem jogado a toalha àquela altura da noite, não iriam deixar a busca por locadoras de lado. Tirariam uma semana sabática para refletir sobre suas vidas, sonhos e anseios, para, então, voltar com força total em busca de mais sobreviventes nos escombros do império em ruínas.

O Retorno

Uma semana se passou e um novo levantamento de videolocadoras foi feito em busca de mais remanescentes da nova era. O ponto de partida definido foi o mais tradicional prédio residencial, e comercial, do centro de São Paulo, o todo poderoso Copan. Rumores quentes afirmavam que uma locadora ainda operava a todo vapor na parte térrea do edifício, foi exatamente o que os zasalhas foram conferir. Dessa vez, o comboio contava com mais um integrante, Andreas, camarada de Daniel, e que não tardou a criar laços de amizade com a entidade Zaso Corp.

Uma rápida andada pelos vastos corredores amadeirados do prédio já mataram a charada da localização exata do ponto comercial. Ao chegarem ao local, munidos de cara, coragem e almoço em processo de digestão, se depararam com uma solitária funcionária, mexendo no computador e trajando um kit de roupas roxas. O local, recheado de filmes por todos os lados, dispostos em prateleiras marrom-claro embutidas, apesar de ser o mais apertado até então, era bastante aberto, o que dava uma composição visual interessante, com muita informação. Uma apertada escada em caracol levava ao segundo andar, que na realidade era um mezanino, exalando um forte ar de proibição. Seu nome? Connection, com dois ênes.

292430A psicóloga Daniela, simpática funcionária que estava postada atrás do balcão naquele momento, cuida da videolocadora pelo período da manhã, enquanto o pai, Paulo, que há 31 anos, de seus 59, possui o local, cuida da parte da tarde. Seu pai, administrador de formação, começou a empreitada no mundo do aluguel e compra de filmes com uma distribuidora chamada Monte Video, que servia uma boa parte das locadoras da região. Paulistano da zona norte, rapidamente se afeiçoou pela idéia de abrir uma videolocadora, consumando o desejo no local em que se encontravam os zasóides. Daniela praticamente nasceu no lugar. Quando veio ao mundo, seu pai era o proprietário da Connection haviam apenas três anos. Perguntada sobre o que manteve o ponto vivo até hoje, a psicóloga e funcionária afirma que o otimismo que seu pai ainda imprime é enorme, acreditando piamente que o mundo das videolocadoras ainda vai dar a volta por cima. Mesmo com tamanha força de vontade, o declínio chegou ao estabelecimento, que teve uma derrocada grande de sete anos para cá, sendo que, segundo Daniela, há cerca de um ano e meio o chão realmente abriu. Tiveram até mesmo que demitir o outro funcionário que possuíam, sobrando, assim, apenas pai e filha. A Connection tem alguns diferenciais, como o fato de apenas trabalharem com aluguel, vendendo apenas os títulos repetidos (e em raros casos), além de prestar um serviço de gravação de vhs para dvd, um meio alternativo que gera uma receita extra importante para o sustento do local. Inclusive, é o único estabelecimento visitado pela caravana Zaso que ainda trabalha com o formato vhs, possuindo um acervo considerável no mezanino. Segundo a anfitriã, há um público, sobretudo estudantes de cinema, que procura por filmes cultos e raros, apenas disponíveis no clássico formato. Esse mesmo público aparece com uma determinada frequência para conversar sobre cinema com ela e seu pai, o que mostra um nível de respeito adquirido e uma carência de um lugar físico de discussão. Informada da empreitada zasáica, ficou surpresa em saber que ainda existe outra locadora no centro de São Paulo, a da Vila Buarque, achando que eram os únicos remanescentes. Daniela confidenciou que ainda mantém a sessão pornô firme e forte, também disponível no formato vhs. Inclusive, um cliente devolvera dois filmes eróticos poucas horas antes da chegada dos rapazes. Contundente, a moça apontou que, na sua opinião, as principais razões para o declínio do ramo foi um enorme misto de pirataria, internet, Netflix, tevê a cabo e ascensão de banda larga, uma visão que se mostrava frequente entre os proprietários e funcionários de videolocadoras.

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Entretenimento adulto.
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Daniela, 28 anos, é psicóloga e cuida da Connection pela parte da manhã, enquanto seu pai e proprietário, Paulo, 59, faz o trabalho pela tarde. O que mantém a videolocadora, que já soma 31 anos de vida, é o otimismo que seu dono tem em relação à volta por cima do ramo. O local é o único visitado que ainda trabalha com vhs, prestando, inclusive, o serviço de conversão para dvd. No mezanino, mantém a sessão pornô firme e forte, também em vhs. Horas antes da chegada de Zaso Corp., um cliente viera devolver dois filmes eróticos.

Antes de se despedirem, os zasos foram atentados por Daniela que dois rapazes, Alan e Michel, contactaram o local há cerca alguns meses atrás no intuito de coletar conteúdo para um documentário que estariam produzindo sobre videolocadoras. A idéia instigou Zaso Corp., que achou interessantíssimo o fato de eles também estarem abordando o mesmo assunto. Uma pesquisa pelo deus Google trouxe à tona que o documentário se chama Cinemagia: A História das Videolocadoras de SP, produzido pela LumoLab e com direção de Alan Oliveira, citado pela anfitriã anteriormente, com previsão de lançamento para este ano. Fiquemos atentos.

Blockboster

O passo seguinte, já sem a presença de Andreas, que precisou abortar a missão, seria verificar a quantas andava a popular Blockbuster, que recentemente fundira-se com as Lojas Americanas, numa tentativa duvidosa de ter uma sobrevida como departamento da loja, e não mais como um estabelecimento individual. De volta à região de Higienópolis e Santa Cecília, tinham em mente conferir, antes de mais nada, uma franquia tradicional do bairro, que já havia sido extinta, a HM Video, que possuía duas unidades na região, uma na Rua Marquês de Itu, que deu espaço a um restaurante, e outra na Rua Piauí, que deu lugar a um petshop. Sadicamente passando pelos dois locais, Daniel acelerou o seu veículo motorizado em direção às Lojas Americanas, deveras perto das finadas videolocadoras acima. Ao estacionarem à frente do estabelecimento, um clima decadente já adentrava as narinas dos três correspondentes, e não era flatulência. Uma série de sulfites mal-coladas nas vidraças anunciavam uma promoção de venda de celular, dando as boas-vindas aos jovens, que se sentiam adentrando um castelo mal-assombrado.

Estantes desalinhadas, desorganização, luzes prestes a pifar e vestígios de abandono podiam ser vistos ao redor. No balcão, dois funcionários discutiam com uma cliente, aparentemente por causa de uma sacola. A mal-humorada gerente se mostrava irredutível com a consumidora, que levemente invocada foi embora. Ao fundo, podia-se perceber a sessão que pertencia à Blockbuster, formada por um letreiro capengante e pendurado pelas estribeiras, enquanto as estantes de filmes mostravam um desfalque chateante. A gerente, que não quis se identificar, e sequer trocar uma dúzia de palavras com Zaso Corp., indicou um funcionário, Roni, 28 anos e natural de São Paulo, que, ao lado dela, estava evidentemente despreparado para responder as perguntas. Sem má-vontade, mas um tanto acuado, afirmou que trabalha na loja há 2 anos como supervisor e, desde que chegou, já acompanhou a decadência de camarote. Sem medo de ser feliz, disse que o movimento é baixo, e que a sessão de filmes não recebe lá muita atenção. Segundo ele, não pode responder pela empresa, mas acredita que a Blockbuster não tem a intenção de fechar as portas no país, apenas de reduzir sua atuação ao ponto de mero departamento. O receio de seja lá o que for fez com que ele não entrasse em maiores informações, sempre escoltado pela gerente, que olhava-o o tempo todo enquanto ele expunha suas meia-informações. Quando perguntados se Zaso Corp. poderia tirar algumas fotos para compor a matéria, negaram o pedido, dizendo que não tinham autorização da empresa. Sem mais absolutamente nada para fazer no local, os zasalhas foram embora o mais rápido possível do estabelecimento, que se mostrou lamentavelmente degradado.

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Lojas Americanas.

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Para Além do Horizonte

A experiência com a agonizante Blockbuster trouxe um ar de desgosto para Zaso Corp., que ainda tinha alguns itens a serem riscados de sua lista de afazeres. Partiram para o bairro de Perdizes, em busca de uma videolocadora chamada ArtVideo, que jazia sepultada com “aluga-se” escrito em sua lápide. A região é um verdadeiro cemitério de locadores de filmes, contabilizando diversas baixas. O caderno de missões a cumprir reservava um último item, uma videolocadora localizada a mais de 20km de distância, a Mirage Video. Localizada na zona leste da cidade, no bairro da Vila Re, nos entornos de Artur Alvim e Vila Matilde, representava uma verdadeira odisséia. O que mais trazia incerteza e acidez estomacal aos jovens era a possibilidade do estabelecimento estar de portas fechadas, o que seria de nível fecalóide indescritível. A reunião de cúpula resolveu tentar ligar para o local, sem sucesso. Mesmo com a possibilidade de dar merda, mandaram as preocupações para a puta que o pariu, olharam bem nos olhos do Ford Ka, adentraram novamente o veículo e partiram. Seria uma longa jornada, mas não sem antes uma breve parada para abastecer o automóvel com algumas cervejas, numa pequena vendinha da vizinhança.

O trânsito na Radial Leste era alucinante, como de praxe, ao passo que o fim da tarde ia se tornando cada vez mais real na vida dos envolvidos. Meia hora já se passara e a região do Tatuapé, lar de Daniel Kubalack, já cercava Zaso Corp., que não se continha de ansiedade para descobrir se o ponto comercial que tanto anseiavam estava funcionando. Em um determinado ponto, já tendo passado o parrudo bairro da Penha, chegou o momento de pegar a saída da Radial e entrar vizinhança adentro, por ruelas que subiam e desciam em ângulos completamente assimétricos. Já estavam nos domínios da Vila Re. Enfim, depois de algum ziguezague por dentro do bairro, chegaram a uma avenida repleta de comércios, já bastante atentos ao número de cada um. Sem percorrerem sequer dois quarteirões direito, de frente para um posto de gasolina de esquina, havia uma casa laranja de dois andares, um tanto desbotada, também de esquina, com dois carros estacionados na frente e uma fileira de alguns pôsteres de filmes grudados à vidraça do lado de fora. Conforme foram se aproximando, não restavam dúvidas de que aquele estabelecimento, funcionando a todo o vapor, era a Mirage Video.

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Vila Re.
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Mirage Video.

Ao adentrarem o local, se depararam com um humilde e vasto estabelecimento muito organizado e que exalava cuidado. Repleto de estantes brancas recheadas de filmes, dividindo seu espaço com quitutes no balcão, enfeites infantis amarrados ao topo das estantes e muitos pôsteres de filmes, o lugar parecia bastante aconchegante. A única atendente, Cida, que trabalha no lugar desde 1997, tendo saído em 2002 e voltado em 2014, lhes tratou com bastante dignidade e respeito. Ao ouvir a proposta de Zaso Corp. sobre videolocadoras, se mostrou um pouco receosa de participar de uma possível entrevista, afirmando que seu chefe, e proprietário do local, Fabio Henrique, poderia ajudá-los de maneira muito mais eficaz. O dono morava há poucas quadras do local, Cida fez questão de avisá-lo da presença da rapaziada. Para espanto dos jovens, a funcionária lhes  confirmou, em seguida, que o proprietário estaria ali em instantes.

3637Enquanto toda a conversa com a solícita funcionária tomava corpo, um casal vasculhava uma das estantes do local. O representante comercial Felipe, de 32 anos, e sua namorada Renata, de 30, ambos moradores da região, estavam ali presentes na missão de alugar uma produção cinematográfica para se entreter no calor do fim de semana, no aconchego do lar que dividem. Ambos possuem Netflix, mas, mesmo assim, não abrem mão de vir à locadora de filmes no intuito de consumar o aluguel, de fato. Felipe, entusiasta de filmes de ação e guerra, não tem o hábito de baixar filmes, por achar que a possibilidade de contrair um virus é grande e por não confiar na qualidade dos arquivos baixados. Taxado de louco pelos amigos, que vivem oferecendo-lhe a possibilidade de passar filmes baixados por pendrive, ou algo que o valha, o entrevistado não se importa com os críticos. Renata já tem um gosto pendente para o lado do romance, procurando, na videolocadora, produções mais recentes e que não se acha na internet com tanta facilidade. Também temendo pegar virus, tem o costume de comprar filmes, ao contrário de seu namorado, que não gosta de acumular posses. Estavam com os filmes Whiplash, aquele do professor cuzão, e Um Senhor Estagiário em mãos. Jonas, que é portador de um certo grau de sequela mental, entendeu que o rapaz estava levando o filme O Sexagenário, que sequer existe. Como todos os entrevistados anteriormente, não conheciam ninguém que tivesse o mesmo hábito de alugar filmes, o que levou Zaso Corp. a ficar com vontade de criar um Clube dos Locadores de Filmes, para unir estas figuras tão fora da curva.

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Renata, 30 anos, e Felipe, de 32, estavam em busca de dois filmes para alugar. No caso, eram Whiplash e Um Senhor Estagiário, entendido erroneamente por Jonas como sendo O Sexagenário. Apesar de usufruírem do serviço Netflix, não têm o costume de baixar filmes, por conta de virus e baixa qualidade dos arquivos. Os dois moram juntos nos entornos do bairro, o que facilita a vinda até a Mirage Video.

Enquanto a conversa com o casal de felizes locadores ia terminando, um novo cliente ia adentrando o estabelecimento: uma senhora sorridente, que observava intrigada o trabalho dos jovens em reportar o que acontecia no local. Marília, 53 anos, natural do bairro e professora de história na rede pública, não vinha até a videolocadora faziam 3 meses, jejum quebrado naquele momento tão magistral. Entusiasta dos filmes de guerra, tem como filmes favoritos A Lista de Schindler e Diamante de Sangue, filmes de forte apelo histórico. Marília costumava vir com bastante frequência até a videolocadora, deixando de lado gradualmente este hábito. Apesar de não ter Netflix e achar o NOW muito caro, costuma assistir filmes pelo Youtube mesmo, apelando para a locadora apenas quando não encontra o filme que quer no site. Sem titubear, afirmou que se tivesse todos os filmes disponíveis na internet, não frequentaria mais o estabelecimento. Segundo a cliente, seus filhos têm mais o costume de frequentar o local do que ela própria, informação interessante para o mosaico de frequentadores que Zaso Corp. vinha montando.

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Marília, 53 anos, é professora de história da rede pública e moradora do bairro da Vila Re. Haviam três meses que não frequentava o local, sendo que seus filhos têm mais o costume de comparecer ao estabelecimento do que ela própria. Entusiasta de filmes de guerra, tem como filmes favoritos A Lista de Schindler e Diamante de Sangue. Tem o costume de assistir filmes pelo Youtube, não tem Netflix e acha o serviço NOW, da Net, muito caro. O filme que queria não estava disponível.

Poucos minutos depois de Marília puxar o bonde de volta para sua casa, uma figura carismática, de estatura baixa, calvice avançada, barba feita e trajes caseiros adentrava o lugar, com um sorriso solícito e empreendedor na face. Era Fabio Henrique Beraldo Gomes, o proprietário da Mirage Video. O empresário de 45 anos, corintiano e entusiasta de filmes de comédia e ação, possui o estabelecimento desde 1989. Ex-funcionário bancário, realizou um sonho de infância ao abrir a videolocadora, seu ambiente predileto nos primeiros anos de vida. Com os dinheiros da recisão, comprou um total de 147 vhs’s para começar sua jornada. Fabio sempre teve um senso crítico muito apurado em  relação ao que considerava um bom atendimento e acervo de filmes, o que fez com que ele primasse por galgar seu espaço em meio às 17 locadoras que existiam no bairro na época. Apenas na Rua Itinguçu, local em que se situa a videlocadora, eram nove. Hoje em dia a única que sobreviveu foi a Mirage, que já chegou a ter outras três unidades, que fecharam suas portas por volta de 2009, com um intervalo de cerca de quatro meses entre cada. Há quatro anos atrás, a última concorrente da vizinhança de Fabio fechava as portas, fato que ele não considera tão bom, pois acredita que a concorrência eleva o nível e qualidade do atendimento. De acordo com sua memória, ainda resta um estabelecimento no, mais ou menos vizinho, bairro da Penha, chamado A Poderosa. Antes uma sociedade entre dois irmãos, a concorrente se desmembrou, mantendo a matriz e dando origem ao seu outro braço, que na realidade é uma marcenaria, outrora especializada em móveis para locadoras, como estantes e balcões, e agora focada em escolas infantis. O fato de Fabio ser um conhecedor assíduo de filmes ajudou-o muito, sobretudo a cativar a sua clientela, se tornando praticamente um tutor. Afirma que já viu todos os filmes que a locadora possui, no mínimo o trailer, atitude que considera fundamental para criar um laço maior, não só com o ambiente de trabalho, mas também com os frequentadores. Fabio conta que o público que mais frequenta a locadora é mais maduro, com idade entre 30 e 45 anos, geralmente acompanhados da família.

O assunto ia correndo sereno e interessante, os três zasóides ouviam com atenção aos relatos do empreendedor. Porém, era hora de falar de algo menos ameno, sobre os tempos difíceis que o ramo das videolocadoras vinham passando. Assim como outros proprietários e funcionários já disseram, o momento de declínio da Mirage Video começou na transição do dvd para o blu-ray. Fabio explica que, ao contrário da transição do vhs para dvd, que foi extremamente positiva, a transição para a mídia azul teve um efeito negativo não só no sentido de preços de filmes, com nem tanta variação de valor, mas muito mais em relação à necessidade de as pessoas atualizarem seus aparelhos de reprodução da mídia. As produtoras, que antes traziam uma variedade de dezenas de lançamentos em dvd por mês para que Fabio pudesse escolher, passaram a lançar apenas um terço destes mesmos filmes em blu-ray, e ainda menos em 3d, que foi o maior fiasco de todo o tempo em que a locadora esteve aberta. Enquanto as locadoras pararam de produzir vhs’s com a chegada dos dvd’s, em meados de 1998, se utilizando de uma transição de cerca de três anos, o mesmo não aconteceu com relação ao blu-ray, caso contrário haveria um enorme colapso da indústria de distribuição de filmes, que, aliás, foi um ponto interessante apontado pelo proprietário da videolocadora. Todos os meses, vendedores credenciados de produtoras de filmes apareciam no estabelecimento para trazer o catálogo de lançamentos. Em épocas áureas, chegava a comprar 40 cópias do mesmo filme, repassando mais da metade para outras locadoras. Hoje em dia, quando sabe que um filme é sucesso, compra três ou quatro cópias, já que uma produção que demorava duas semanas para se pagar agora demora de 30 a 40 dias. Muitos vendedores acabaram por se tornar amigos pessoais de Fabio, mantendo contato mesmo depois de saírem da indústria. Ao longo dos tempos, todas as produtoras acabaram baixando seus preços, menos a Paris Filmes, que manteve uma bagatela federal para as pobres videolocadoras, que, em muitos casos, acabaram tendo que deixá-la de lado, ou utilizar o fato de que, geralmente, os filmes dos catálogos das produtoras caem pela metade do preço depois de três meses, momento propício para sua compra, mas não tão propícia à venda/aluguel.

Fabio, assim como muitos outros proprietários, tiveram que se re-inventar de alguma forma, apenas lamentando não tê-lo feito antes, achando, como a grande maioria, que o blu-ray seria uma nova febre, assim como foi o dvd. Erro crasso. Com relação a serviços online, tem a opinião de que o Netflix não representa-lhe muita ameaça, pois afirma que a sua locadora é detentora de um acervo muito maior e veloz do que a plataforma é capaz de oferecer, Apenas quando o assunto é série que o serviço online leva vantagem. Por outro lado, acha o NOW uma ameaça maior, pois, segundo ele, eles têm acesso aos lançamentos antes mesmo que ele. A maneira de reinvenção que Fabio desenvolveu foi mais relacionada a cortes, antes tinha três funcionários, agora tem dois só, e, como dito, resolveu diminuir o número de cópias de filmes disponíveis no local. Seus planos futuros envolvem mudar de ponto físico, pois não vê mais necessidade de manter tantos filmes em estoque, problema que pretende resolver arquivando uma série de títulos, digitalizando-os em pasta. Um dos artifícios que o proprietário utilizou, em tempos recentes, foi uma parceria com uma pizzaria local, colocando anúncios da mesma na parte de trás das caixas de dvd. Ao longo do tempo, a pizzaria faliu e as caixas continuam com a propaganda, uma situação pitoresca. Em se tratando de situações curiosas, Fabio contou para os zasalhas que em certa feita, na época em que ainda trabalhava com vhs, abolido no local desde 2000, um dos funcionários acabou colocando um filme pornô na caixa errada, que foi para uma família desavisada. Hoje em dia, esta situação, que rendeu ótimas risadas, acabaria em textão nas redes sociais e processo por danos morais. Em se tratando de pornô, a locadora extinguiu sua sessão física há cerca de dez anos, agora mantendo-os em pasta apenas. É justamente por situações toscas, como essa, em que o funcionário cagou no pau, como dizem os jovens, que o dono da Mirage Video tem preferência por funcionárias mulheres, afirmando que elas dão menos problema, fazem menos cagada, como dizem no popular, e são muito mais asseadas e dedicadas. O único problema trabalhista que teve, com relação a seguro desemprego, foi com um funcionário do sexo masculino. Por mais que os tempos já não sejam mais os mesmos, Fabio afirma que ainda existem clientes assíduos, como uma diretora de escola pública aposentada chamada Nadia, que, segundo ele, já assistiu todos os filmes da videolocadora, obrigando-o a indicar séries para ela, que acaba por devorá-las sem dó. O simpático proprietário não acha que o Netflix ou a tevê a cabo mataram a locadora, acredita que a mudança de hábito que a ascensão de smartphones e redes sociais causaram nas pessoas é que colocaram de lado o clássico momento de sentar à frente da tevê e assistir um bom filme. A mesma visão se repetindo novamente. Esse fato muito lhe entristece, até mais do que a própria decadência do estabelecimento. Fica muito claro que Fabio transcende a ganância por dinheiro, ao passo que continua firme e forte, apesar da obsolescência que o ramo vem vivendo. Sua popularidade no bairro e a paixão que tem pelo cinema acabam por transformá-lo numa figura acima dos escombros, se mantendo não exatamente intacto, mas vívido em relação a um universo que pulsa com pouquíssima força.

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Fabio Henrique Beraldo Gomes, de 45 anos, é o feliz proprietário da Mirage Video desde 1989. Ex-bancário, deixou tudo para trás e realizou seu sonho de infância de abrir uma videolocadora. O bairro já chegou a ter 17 estabelecimentos de locação, agora só restando o local. Sua maneira de re-invenção foi mais relacionada a logística e cortes, seja de funcionários como de número cópias de filmes comprados, que de 40, em épocas de glória, passou a, no máximo, três ou quatro. Acredita que o que mais pesou na decadência do ramo das videolocadoras foi a mudança de hábito que ascensão de smartphones e redes sociais exerceram sobre as pessoas, diluindo cada vez mais o foco delas em filmes. Um funcionário, certa vez, colocou um vhs pornô na caixa errada, que acabou indo para uma inocente família. Por essas e outras, afirma preferir trabalhar apenas com mulheres, por achá-las muito mais responsáveis, asseadas e fáceis de lidar. 

Recompensa

Felizes com as palavras de Fabio Beraldo, os representantes d’Zaso Corp se despediram do novo amigo e resolveram encerrar as atividades, rumando de volta para a zona oeste paulistana. A paixão que o proprietário da Mirage Video tem pelo seu estabelecimento é realmente inspiradora, mostrando que, mesmo em tempos de vacas magras, ainda existe quem coloque a condição financeira de lado e dê mais valor para o que realmente gosta. O trânsito na volta estava bizarramente mais leve, ao contrário do que o consciente dos jovens acreditava. A próxima parada seria num estabelecimento tradicionalíssimo do bairro da Pompéia, onde reside o zasível Jonas, chamado de Cine Pizza. O simpático local chegou a ser sensação na metade dos anos 90, tendo sido explorado por diversos meios de comunicação, que concretizaram reportagens acerca do recinto. Porém, nem tudo foram flores na história do empreendedor estabelecimento. Há cerca de 2 anos atrás, resolveram abolir a parte de locadora, colocando cervejas importadas e artesanais no lugar.

Ao chegarem no local, os zasalhas, agora novamente com a presença de Andreas, que foi resgatado em sua casa, no bairro do Tatuapé, já foram logo assentando-se na única mesa que o local disponibilizava, grande, redonda e de madeira maciça. Ao redor, onde um dia houveram estantes de filmes, haviam duas geladeiras com cervejas geladas, algumas prateleiras e uma tevê com aparelho de dvd, o remanescente de outrora. A proprietária do local estava cuidando do caixa, tendo anotado simpaticamente o pedido de uma pizza de frango com catupiry e outra de abobrinha, pedidas mais do que merecidas. Juliana, de 36 anos, natural de São Paulo, é a dona do estabelecimento, que já soma duas décadas de vida. Antes, funcionava em sociedade, mas a sua outra sócia acabou por vender sua parte há cerca de dois anos, exatamente na época em que resolveu cessar os serviços de videolocação. De maneira firme, Juliana alegou que não valia mais a pena, principalmente por conta de lucro. Ver todas as locadoras do bairro fecharem uma por uma mexeu com a cabeça da empreendedora empresária, que acabou tendo que tomar a medida drástica. Segundo ela, em três meses já havia conseguido se livrar de todo o acervo, guardando o pouquíssimo restante para si, e para o local (que ainda tem alguns dvds para serem assistidos no mencionado aparelho). A transição, segundo ela, não trouxe tantos problemas, apesar de as cervejas estarem começando a dar o retorno esperado apenas agora. Perguntada sobre o futuro das videolocadoras, foi enfática em perguntar “Mas que futuro?”, argumentando que todas faliram ou estão por falir. Para Juliana, fica claro que a decisão foi acertiva, ainda mais quando relembrou os problemas que já enfrentou, sobretudo com clientes caloteiros. Recentemente, uma cliente de muitos anos veio até o estabelecimento pedir uma pizza, sendo imediatamente barrada pela proprietária, que checou no sistema um filme não entregue haviam anos. A cliente cara-de-pau, ainda tentou negociar a anistia de sua dívida por conta do fechamento da locadora. No final das contas, pagou a pizza e uma parcela da multa, que já ultrapassava os dois dígitos.

Quando a pizza chegou foi só alegria, o comboio devorou-a de maneira animalesca, com o sentimento de missão cumprida à flor da pele.

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Refugiados.

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Juliana, 36 anos, nascida em São Paulo, é a proprietária do Cine Pizza. O estabelecimento, que já foi sensação em meados dos anos 90, encerrou suas atividades de videolocadora há cerca de dois anos atrás, trocando a atividade por cervejas importadas e artesanais, mantendo a pizzaria, que sempre foi o carro-chefe. Incrédula e em tom de realismo, já da o ramo das videolocadoras por morto, não sentindo muita falta da época, por conta dos muitos problemas que já enfrentou, principalmente com clientes caloteiros. Recentemente, uma cliente que devia-lhe um filme há anos veio comprar uma pizza, achando que sua dívida, que já ultrapassava os três dígitos, havia sido anistiada. Doce ilusão, acabaram entrando num acordo, que envolvia pagamento da pizza e de uma parte da dívida.

Concluzaso

Levando os estabelecimentos remanescentes dos tempos de glória em consideração, pode-se perceber um rico mosaico de características, opiniões, ambições, ou falta dela, que acabam por flertar com os mais ambíguos direcionamentos. O sentimento mais  forte claramente é o de descrença numa possível nova ascensão do ramo, porém, ainda existem aqueles que têm a paixão pelo seu trabalho, e por seu estabelecimento, muito à frente das dificuldades e obsolescência da categoria. Percebe-se também uma noção muito forte em relação às mudanças de hábitos como principal motivo para a decadência das locadoras de filmes. Com as redes sociais e smartphones dominando uma parcela extremamente considerável do tempo disponível das pessoas, o entretenimento que antes pertencia ao ato de assistir filmes, sobretudo com a presença de seres humanos benquistos, acabou diluído por um mundo digital que cada vez mais adentra a caixola de muitos milhões de pessoas. A sensação geral dos envolvidos no meio das videolocadoras é que essa virada de mesa acabou por ter mais influência ainda do que a ascensão de plataformas online, como Netflix e NOW. Os âmbitos de reinvenção se mostraram diversos, desde mudança de logística até a implementação de novos serviços auxiliares. Para manter viva a chama da videolocação, a re-adequação se mostrou essencial ao extremo. Já com relação aos frequentadores, há forte agregação de valor ao que diz respeito ao ritual que envolve ir até o estabelecimento, escolher o filme e trocar informações valiosas com funcionários cinéfilos muito bem treinados. Como bem disse um dos gerentes de videolocadora envolvidos nessa empreitada, a sobrevida da locadora de filmes está em exercer um papel próximo do passeio em um museu, exercendo uma abordagem mais cultural. O segredo, se é que pode-se dizer isso, possivelmente é transcender as limitações que as plataformas online possuem, sobretudo em se tratando de calor humano e um acervo menos amplo e “garimpado”.

Zaso Corp. viveu uma experiência extremamente edificante e esclarecedora, sobretudo no sentido de aprendizado em relação ao que ainda respira por baixo dos escombros decorrentes dos terremotos de novos hábitos de entretenimento digital. A história, que nada mais é do que o estudo do passado para compreender o presente e planejar o futuro, como já dizia o pensador grego Heródoto, nos mostrou diversas vezes que muitas coisas que fizeram parte do passado, e foram consideradas obsoletas, acabaram voltando à tona, muita vezes com um status renovado e com transvaloração. Se esse fenômeno vai se repetir com as videolocadoras, aguardemos.

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