Fotos: LEANDRO FURINI | Texto: JOE BORGES | Vossa Majestade: SEU BIGODE
O Parque Ibirapuera é um dos recantos mais tradicionais da cidade de São Paulo, localizado em um lugar estratégicamente cercado por trânsito e alta renda per capita. A entidade Zaso é grande apreciadora do local, que possui uma cativante infraestrutura, tanto no ambiental quanto no cultural. Em meio a skatistas, corredores que preferem chamar-se de runners, apreciadores de museus, rolezeiros, patineiros e tiradores de onda em geral, uma figura vaga despercebida. Sempre usando algum traje relacionado ao Santos Futebol Clube e com um sorriso embriagado abaixo da densa bigoda, ali está ele, Cosmo Antonio da Silva, o popular Seu Bigode, que afirma categoricamente ser o único morador oficial no Parque Ibirapuera. Há anos que os zasalhas Joe Borges e Leandro Furini vêem o pequeno senhor andando para cá e para lá nas dependências do Ibirapuera, sobretudo debaixo do teto da marquise. Desde o fechamento do tradicional restaurante Green, conhecido pela excelência em ser mediocre, que os zasos não viam Seu Bigode, há cerca de um ano, cogitando até mesmo o falecimento do mesmo. Tendo trabalhado durante muito tempo no restaurante, que ficava localizado debaixo do teto da marquise, não era de se admirar que com seu fechamento, Seu Bigode poderia ter partido em direção a novos horizontes. Há alguns anos atrás, uma idéia pairava com força sob as cabeças débeis dos zasos, a de produzir um talk-show com seu Cosmo, o Seu Bigode Show, um programa de entrevista e afins encabeçado pelo mesmo. Apesar da eminência do fracasso, a idéia ainda tinha certa força, evidenciando o nível alarmante de carisma que Seu Bigode possui.
Era segunda-feira, já pelas 21h, quando Joe e Leandro estavam debaixo do teto da marquise esboçando algum tipo de cagada em cima do skate, como de costume. Com a pulga atrás da orelha em relação ao paradeiro de Seu Bigode, foram perguntar para dois seguranças, que entediados observavam os skatistas, se eles tinham notícia dele. Confusos e desnorteados pelo tédio, os funcionários demoraram algumas dezenas de segundos para dizerem que sempre viam ele andando perto do Portão 10. Ao menos ele estava vivo, pensaram os zasos. Abandonando as dependências da marquise em direção ao tal portão, um tanto desesperançosos, iam especulando mil possibilidades acerca de Seu Bigode. O que fazia da vida? Estaria realmente vivo? Daonde vinha? Agiria de forma cordial quando abordado? Eram perguntas que ficavam no ar. Ao chegarem próximos do Portão 10, avistaram um segurança centenas de vezes mais entediado que os anteriores, que entrou num certo estado de alerta ao vê-los. Perguntaram, então, sobre o paradeiro da lenda, mas obtiveram qualquer resmungo vagabundo. Quase imediatamente, uma voz saiu do meio de alguns matagais mais escuros que a noite, era um morador de rua que estava do lado de fora do Parque, dizendo que o Seu Bigode estava num canto muito próximo dali. Para espanto de todos os quase nenhum presentes no local, o solícito homem clamou por Seu Bigode em voz alta, sendo prontamente respondido com um grunhido. Era ele, o franzino senhor não só estava vivo como estava emitindo sons.
No total escuro e em meio a poças d’água que dificultavam a chegada até o recanto de Seu Bigode, os záseis iam se aproximando cordialmente. Por conta da luz da lua, e de algum longínquo poste de iluminação, podia-se entender um pouco da disposição do lugar. Abaixo de uma pequena e retangular marquise, parede com parede com a guarita do segurança tedioso do Portão 10, havia um carrinho de supermercado com algumas coisas, uma pessoa envolta em uma manta branca, um papelão relativamente extenso embaixo dela, algum tipo de criado mudo improvisado e uma mochila. Dava para perceber que na outra ponta haviam mais algumas coisas, mas era impossível decifrar o quê. Como é de se imaginar, a pessoa envolta na manta era o próprio Seu Bigode. Perguntado se poderia responder algumas breves perguntas, o anfitrião foi extremamente solícito, rapidamente se levantando e sentando-se no chão, ainda encoberto, e pedindo para que os jovens se sentissem à vontade. A vista do recanto era a própria marquise, bem ao fundo, sumindo em meio às árvores que compunham a paisagem soturna.
Cosmo Antonio dos Santos, irmão gêmeo de Damião dos Santos, nasceu há 55 anos em Maceió. Veio para São Paulo com sua primeira esposa há 30 anos, se estabelecendo no bairro do Jardim Ângela, onde sua filha mora até hoje. Há pelo menos 25 trabalha e mora nos arredores do Parque Ibirapuera, o que faz dele um dos maiores veteranos das redondezas. Começou sua empreitada trabalhando na área de limpeza da Assembléia Legislativa, rapidamente ficando amigo dos funcionários e administradores, que lhe cederam um espaço para dormir. Juntando os palitos, Seu Bigode rapidamente percebeu que valia muito mais a pena dormir no próprio lugar de trabalho do que ir e voltar todos os dias para sua longínqua residência, que, com sorte, consumiria pelo menos duas horas diárias de sua vida. O sagaz Cosmo gostou da brincadeira, tanto que está praticando a moradia no trabalho até hoje, sem a menor previsão de voltar atrás. Segundo o mesmo, só sai de lá quando o Parque fechar definitivamente. Anos depois, migrou seu corpo para o Planetário, onde ainda fazia parte da equipe de limpeza e morava num pequeno quartinho que, segundo ele, foi o lugar mais aconchegante que teve na vida.
A entidade Zaso jamais poderia imaginar que um dia alguém havia morado dentro da Assembléia, quanto mais no Planetário, aquele senhor tão peculiar e simples tinha uma história interessantíssima. Além de tudo, ainda morou durante muitos anos dentro da Bienal, também num aconchegante quartinho com tudo o que tinha direito, desde tevê até uma copa para fazer aquela refeição. Em relação a essa época, fez questão de enumerar celebridades que havia visto vagando por lá, como Roberta Miranda, Regina Casé, Jorge Lafond e, nada mais nada menos que, Sebastian do C&A. Com o trocado que vinha ganhando, e sem pagar aluguel nem café da manhã, acabava por ter uma vida bem tranquila, sempre dando seus pulos para cá e para lá, seja para comer uma loucura em algum restaurante da região da Brigadeiro Luis Antonio, ou indo até o Pq. Dom Pedro II para trincar o cabeçote em algum inferninho do centro da cidade. Atualmente, trabalha no ramo dos carrinhos de côco, na beira da pista de corrida do Parque, perto da Ladeira da Preguiça. Nada como trabalhar em casa. E nada como ter escolta 24 horas. Em um determinado momento de conversa, um segurança apareceu em meio ao breu perguntando quem eram aqueles que atazanavam a vida de Vossa Majestade Seu Bigode. Com a serenidade dos justos, Cosmo Antonio respondeu que eram seus amigos e que estavam apenas conversando despretensiosamente. Como um servo que se arrepende de atrapalhar o sossego de seu suserano, o segurança se retirou em reverência. Além do mais, se engana quem pensa que Seu Bigode não é assediado pelas mídias e afins também, sendo inclusive frequentemente tietado por um professor que sempre vem conversar com ele para coletar informações que encorpem uma possível matéria sobre sua vida. Conforme o assunto ia desenrolando, ficava cada vez mais claro que Seu Bigode era um apreciador das coisas boas da vida e soube por onde galgar o seu espaço. Um diplomata sem grife.
Em meio à risadas e fuleiragens, o anfitrião confidenciou alguns de seus gostos pessoais, como o, já sabido, Santos Futebol Clube, Amado Batista e aquela tradicional cachacinha com cerveja. Seu Bigode não é chegado em assistir jogos em estádios e nem no bar, acaba por torcer para seu time do coração acompanhado de seu inseparável radinho de pilha, que fez questão de mostrar. Já quanto à cachacinha, é suspeito para dizer. Quando perguntado sobre o assunto, brilhou os olhos como um pirata que ouve falar em tesouro enterrado. Um dos seus passatempos favoritos é dar uma volta pelas enormes dependências do lugar, que agora, segundo ele, está bastante seguro em relação a anos atrás. Quem anda de skate com certa regularidade na marquise sabe que a nova administração é muito mais intolerante que a anterior, provavelmente o fator crucial para a sensação de aumento da segurança. Saber isso enaltece mais ainda o mérito de Seu Cosmo em, mesmo assim, conseguir se manter como sendo o único morador oficial do local, um título de muito respeito. Antigamente, conta, existiam outros moradores do Parque, mas por questões de baderna, como assar carne no bebedouro, uso abusivo de psicoloucuróides e delitos em geral, foram todos expulsos, menos ele, que não só nunca deu trabalho, como sempre ajudou na manutenção do local. Apenas pela atitude com que o segurança teve com relação a ele, já fica muito claro que Seu Bigode tem um respaldo impressionante com os funcionários do Parque.
O que os olhos de Seu Bigode já viram nessa vida de morador do Parque Ibirapuera poderiam levar qualquer um à loucura. Segundo ele mesmo, presenciou desde mortes até as mais cracudas putarias já vistas em público. Contou, inclusive, que três semanas antes uma garota havia morrido de overdose no banheiro feminino da marquise. E não fora a primeira vez presenciada, vira um homem perecer da mesma maneira só que em um banheiro da área externa. Sabendo de tal fato, os zasos até mesmo pesquisaram o ocorrido na interweb, sem êxito, ou seja, uma informação que carece de fontes. Porém, Zaso Corporation jamais duvidaria da veracidade de absolutamente nenhuma palavra proferida por Cosmo Antonio dos Santos.
Para você que está achando pouca merda, parabéns, o Zaso respeita a sua opinião e não cagará absolutamente nenhuma regra em relação à isso. Mas, pense que este franzino e cordial senhorzinho é o único morador oficial do eleito Melhor Parque Urbano do Mundo, segundo o jornal inglês The Guardian. Convenhamos que esse pode ser um título extremamente exagerado, mas querendo ou não, é algo à se pensar. O respeito que Seu Bigode alcançou ao longo dos anos para com funcionários e administração – tanto do Parque quanto da Assembléia, sua vida desprovida de despezas (e recheada com suas simplórias, porém honestas, regalias) e o bom-humor que ostenta, tornam Cosmo Antonio dos Santos muito mais rico do que qualquer abastado, vulgo trilhardário, morador dos entornos do Parque Ibirapuera. O jardim da casa, ou melhor, do palácio de Cosmo Antonio dos Santos é muito mais verde, e maior, do que o seu, pode ter certeza. Vida longa à Vossa Majestade Seu Bigode.
Patineiros??????????????
PATINEIROS?????
ARRUMA ISSO PELO AMOR DE DEUS
P A T I N A D O R E S
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calma, meu amigo, é só um neologismo barato, não precisa ter um derrame por causa disso
1. Neologismo
Palavra ou termo de formação nova, a partir de elementos gramaticais da própria língua ou estrangeiros;
acepção nova de uma palavra já existente na língua;
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O seu bigode é celebridade, mas ele não é o único morador do parque, tem 1 sujeito que mora bem no meio do parque, no meio do lago, é o caseiro que cuida dos patos do parque.
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