Fotos: LEANDRO FURINI e RAFAEL BOSCO | Texto: JOE BORGES
Mais um ano vai se aproximando do fim, panetones começam a pipocar nas prateleiras e o mês de Outubro entra em cena com um dos feriados mais carismáticos do calendário brasileiro: o Dia das Crianças. Como crianças barbadas e com a popular pochete de cerveja em riste, o zasilho Leandro Furini e o camarada de muitas luas atrás, Rafael Bosco, chegam ao popular Naldo, recanto ideal para os amantes de um pedaço de pizza e uma bebidinha doce no centro de São Paulo. O relógio acusa as 22h, ambos se sentam numa tradicional mesa de madeira e começam a discutir diferentes rumos da humanidade. Aos poucos, amigos vão se juntando e encorpando a conversa, com destaque zásico para o correspondente e velho conhecido do internauta atento, Dox Martins. Em um determinado momento, o assunto havia morfado para nostálgicas histórias de juventude, quase todas regadas à perigo, destruição, caos, doenças venéreas, álcool e juvenaltice à flor da pele. As horas iam passando, o álcool ia fazendo efeito, as vozes iam se intensificando e o bar já ia entrando nos acréscimos do segundo tempo. De maneira nobre, os atenciosos funcionários presentearam os jovens com uma cerveja de brinde, uma atitude que vem se mostrando cada vez mais rara nos dias atuais, infelizmente a bundeiragem impera.
Tal como na natureza, a seleção natural fez seu belíssimo trabalho e garantiu que só os mais fortes sobrevivessem. Assim sendo, lá pela 1h da mamãe, apenas Leandro, Bosco e Dox restavam firmes, já tendo abandonado o adormecido Naldo e partido para uma próxima mesa de madeira em um outro bar, o escolhido recanto foi o popular Ibotirama da Rua Augusta. Leandro e Dox garantiram suas cervejas enquanto Bosco atacou ferozmente seu já tradicional Jack Daniels, diz a lenda que já era seu quinto da noite, fica no ar.
Sempre atentos aos primeiros sinais de que o bar vai fechar, os três protagonistas escanearam efetivamente os arredores e decidiram encostar na calçada próxima ao tradicional, e já por encerrar as atividades também, Bar do Coringa (retratado com maestria nesta matéria zásica anterior). Extremamente confortáveis, ficaram alguns bons minutos mantendo o assunto nostálgico até seus copos secarem, se vendo, então, cercados de vazio ao redor. Resolveram descer a Augusta em direção à Rua Peixoto Gomide, onde sem dúvida alguma haveria algum bar aberto.

A peregrinação de meia quadra acabou levando os juvenaltas à esquina da já mencionada Augusta com a Peixoto, onde um popular posto de gasolina se mantia impávido e imponente. Já tendo passado em frente ao mesmo milhares de vezes, os jovens mal reparavam mais no que ocorria lá. Sempre a mesma bomba de gasolina, a mesma lojinha de conveniência, o mesmo garoto punk com um vinho químico na mão e a mesma iluminação de pronto-socorro. Porém, neste dia, um artefato incomum e massudo estava encostado numa das paredes do local: era uma máquina de pegar bichos de pelúcia. Os zasudos se entreolharam e resolveram dar uma chance à sorte. Leandro recentemente havia tido uma experiência negativa com tal aparato, tendo falhado na missão de capturar um urso de pelúcia para sua namorada, era sua chance de se redimir. Todos se compadeceram da situação e resolveram unir forças para alcançar o tal objetivo. Depois de terem jogado rapidamente, não mais do que três rodadas, acabaram por ir embora decepcionados, maldita máquina aniquiladora de sonhos.



Depois da mal-sucedida empreitada com a máquina de devastar corações, os protagonistas sentaram numa mesa de boteco na Peixoto e resolveram ir em busca de seus pedidos alcóolicos. Bosco estava sedento por uma dose de Rum com Coca e fez questão de ir até o balcão para conseguí-la. Ao chegar dentro do recinto, proferiu o pedido, foi então que o funcionário olhou para ele com a face completamente encachaçada e começou a vasculhar a estante de bebidas numa velocidade inacreditavelmente lenta. Depois de mais de um minuto de procura pelas cerca de 20 garrafas que estavam postadas na estante, e sob a risada debochada de um beberroso que estava sentado próximo e observando a cena, o tiozinho finalmente conseguiu encontrar a tal garrafa. De copo em mãos, ele começa a encher o mesmo sem parar, enquanto o preocupado Bosco observava. Atentando que a dose já atingia três vezes o tamanho normal, quase transbordando, o prudente rapaz interrompeu a ação do garçom, que apenas se contentou em olhá-lo vesgoiudamente, voltando-se de costas para o cliente, sua missão ali havia terminado. Refletindo sobre o efeito que tamanha quantidade de destilado faria em seu organismo, Bosco pede encarecidamente que Leandro o ajude a tomar a dose tripla, este solícitamente não nega.
Já havia se passado pelo menos meia hora da chegada da dose tripla e nada de bizarro havia acontecido até então, um verdadeiro recorde. Porém, tal marca olímpica foi solenemente quebrada pela chegada de uma figura obtusa, um homem adulto nos seus trinta e uns quebrados aniversários de vida, que se aproximou do trio e proferiu as poderosas palavras “Merda pra vocês!”. Eis que Leandro resolve trucar o indivíduo com um sonoro “Quebra a perna!”, o que fez com que aquela figura indecifrável que se postava em frente aos três abrisse um sorriso infantilóide e ficasse perplexo com o ocorrido, era um êxtase sincero e suficiente para que ele grudasse de maneira federal na mesa dos envolvidos. Era tarde demais. O mesmo disse que ninguém nunca respondia dessa maneira para ele (para quem não é familiar com tais expressões, são uma espécie de “boa sorte” no mundo do teatro). Não dava para decifrar se o homem era um mendigo ou não, só se sabia que ele não parava de olhar para o cigarro que Bosco fumava, não tardou para que ele pedisse um à ele. Mesmo tendo o acuado Rafael explicado que aquela era a sua última cigarra, nada adiantou. A criatura se recusava a aceitar a realidade e ficou insistindo com força em obter aquele cigarrinho, quebrando assim a mais importante Lei do Código de Conduta do Fumante: Jamais pedirás o último cigarro de outro indivíduo. Bosco tentou, e até conseguiu ludibriar o pobre homem por alguns minutos, fazendo com que ele esquecesse do fumeta, mas ele não tardou em lembrar do pedido. No fim das contas eles acabaram por dividir a cigarrilha. Satisfeita, a figura obtusíssima desaparece na noite depois de conseguir cumprir sua missão.

Com muito pesar, os nossos heróis são obrigados a irem embora do bar, a Rua Augusta e seus arredores já não são mais os mesmos, tudo está fechando obscenamente cedo. Voltando pelo posto, lá estava a maldita máquina, encarando-os com deboche e escárnio. Era quase audível ouví-la sussurrar que a mãe de cada um tinha chulé na teta. Novamente desafiados, os três resolvem aceitar a peleja de maneira confiante, era uma questão de honra.
Os zasos abriram suas carteiras e reuniram uma quantidade bastante razoável de dinheiros, partindo para a batalha contra a debochada máquina. Enquanto um pilotava o joystick, os outros dois davam instruções, como flanelinhas, postados cada um de um lado. Minuciosamente, a primeira rodada de cada um acabou sem sucesso, o cheiro da derrota pairava no ar. Enquanto isso, a atendente do posto observava a disposição dos três rapazes, ninguém nunca antes havia se empolgado tanto com aquela máquina. Leandro resolve então trocar uma nota de 20 Dilmas no balcão da conveniência e volta para a batalha. O dinheiro era para render três rodadas para cada um, aproximadamente, mas eis que o amaldiçoado aparato prega-lhes mais uma peça, engolindo a impressionante quantia de um real de Leandro. Traído, o zasilóide fica possesso com a situação e se volta em direção à moça do atendimento para reclamar, apoiado por Bosco e Dox. A atendente diz calmamente que nunca vira isso acontecer e que a máquina é terceirizada, eles teriam que ir reclamar com a empresa responsável. À essa altura do campeonato, tudo parecia conspirar contra os desamparados jovens. O filme da câmera analógica de Leandro havia acabado e o espaço no cartão de memória do celular de Bosco, que filmava a batalha, havia se exaurido, que por sinal é uma bela palavra da lingua portuguesa.
A auto-estima estava claramente abalada e os corações destroçados. Não havia mais perspectiva de vida e nem vontade de viver dentro daqueles pobres seres, que voltavam em direção à traiçoeira máquina, completamente cabisbaixos. Com o clima fúnebre comendo solto, o silêncio é rompido, como se uma voz divina lhes dirigisse a palavra. Os três viraram-se imediatamente e se depararam com um mendigo vinte vezes mais maltrapilho que o anterior, que observava atentamente a frustração do trio. O homem olhava-os com ternura, se compadecendo da situação e estendendo sua encardida e benevolente mão, num ato misericordioso e de bom coração, oferecendo-lhes uma moeda de 50 centavos. Os heróis, incrédulos, aceitaram de bom grado a oferenda e não se contiveram em agradecer aquela figura, que antes de ir embora ainda lhes perguntou, de maneira serena, se eles tinham filhos e proferiu um sinceríssimo “Feliz Dia das Crianças”, sumindo na penumbra da noite. Uma nova perspectiva tomava conta dos protagonistas dessa aventura, aquela moeda precisava significar algo. O universo haveria de conspirar em favor deles, tendo não por acaso colocado aquele humilde ser em seus caminhos. Se aproximaram da desgracenta máquina, completaram a oferenda com mais 50 centavos e arriscaram mais uma tentativa, tudo indicava ser a derradeira. Cirúrgicamente, eles armaram a posição das molengas garras da máquina de maneira correta, mirando suas atenções num sapo verde, que a cada tentativa parecia ir ficando de maneira mais ereta e propícia a ser pego. Era agora ou nunca. Com os 60 segundos permitidos para a tentativa quase se esgotando, finalmente o botão foi acionado. Os três arregalaram os olhos de maneira alucinante enquanto a garra de metal descia em direção ao pobre sapo, que nada podia fazer a respeito, a não ser esperar para ser apanhado. No momento em que a garra atinge a cabeça do bicho, agarra-o com certa confiança e esboça erguê-lo, o sapo escorrega sorrateiramente antes mesmo de sair do chão. A frustração era enorme nos envolvidos, o chão se abria miseravelmente e o um falo gigante besuntado em areia e em chamas lhes currava com violência, girando na velocidade da luz em direção aos seus centros de gravidade.
A madrugada ia se estabelecendo de maneira mais firme e o cansaço já começava a pular sem parar nos ombros de cada um dos protagonistas. Mesmo assim, ao invés de se abaterem como anteriormente, os determinados zasalhas resolvem pegar a última nota de dois reais que Leandro tinha, encostada num canto sombrio da carteira, e apostar suas últimas fichas. Tomados de um sentimento de raiva e determinação ainda mais fervorosos, dão sua última cartada. Depois do já citado trabalho em equipe, e de uma certa quantidade de dinheiro gasta, o botão da verdade é acionado, liberando assim a garra para descer e cumprir a missão que lhe foi designada: conseguir dinheiro de otários. A diferença desta tentativa em relação às anteriores era a de que o bicho felpudo estava numa posição praticamente ereta, como um monge meditando calmamente. A garra, que descia feito uma lerda guilhotina, encaixou de uma maneira inédita ao redor da cabeça do sapo e começou a trazê-lo lentamente. O mesmo não ofereceu nenhuma reação, sobretudo por ser um objeto inanimado. Diante da cena do bicho sendo resgatado, os três começam a comemorar incessantemente, dando pulos, abraços e gritos absolutamente encharcados da mais sincera e infantilouca alegria. Era o momento de glória que eles tanto esperavam! Quando o troféu finalmente cai na gaveta, são e salvo para ser resgatado com segurança daquele cativeiro, Leandro pega-o e profere um épico tiro de meta no mesmo, fazendo ele quicar de maneira violenta no teto e cair no chão desacordado, como nunca deixou de estar. Como já mencionado anteriormente, e como o Zaso tem total compromisso com a veracidade e ordem cronológica dos fatos, relatos fotográficos e videos estavam impossibilitados neste momento por questões técnicas, tornando este trecho do relato um tanto carente visualmente. Paciência.
O sentimento de conquista é um dos mais doces néctares que se pode provar nessa escangalhada empreitada que chamamos de vida, devendo ser vivido com o máximo de intensidade possível. Era exatamente o que os jovens em questão faziam naquele momento. Os três haviam acabado de ir da lama ao céus, à ponto de explodirem de êxtase. Em meio à comemoração desmedida, os olhos de Dox se encontram com algo que conseguiu ofuscar sua tão intensa histeria, fazendo com que ele parasse imediatamente e apontasse em direção à figura, que lá estava, praticamente estática, empunhando um cigarro e observando tranquilamente o êxtase dos rapazes, sabe-se lá por quanto tempo. Como um vampiro, ali estava Ronaldo Ésper. Era como se no momento em que conseguiram vencer o zombeteiro aparato eletrônico e resgatar o tão sonhado sapo de pelúcia, os zasóides tivessem invocado a aparição do oráculo guardião daquela mística máquina, e essa entidade cósmica não poderia ser ninguém mais, ninguém menos, que Ronaldo Ésper. Começaram então a se aproximar dele, que como um ganso assustado, porém curioso, ia dando alguns passos para trás sem tirar os olhos dos três. “Ô Ronaldo, deixa a gente tirar uma foto com você” — Disse Dox em tom quase serviçal. Ésper acenou com a cabeça, de maneira muito solícita, e disse que tudo bem. Como você ai deve estar imaginando, não haviam meios de tirar foto do acontecido, porém, de maneira polêmica, Bosco resolve tentar uma última vez tirar uma foto com seu baleado celular, que acabou por criar forças no cartão de memória (possivelmente parou de filmar por falta de espaço mas ainda tinha um suspiro final para uma única foto) e conseguir gerar um magistral registro fotográfico daquele momento. Durante a foto, Ronaldo pergunta aos jovens de maneira levemente debochada, porém simpática, se aquele bicho de pelúcia havia sido difícil de ser capturado. Evidentemente que os juvenalhas lhe contam a empreitada resumidamente, que solta um “Tudo isso para esse bichinho de pelúcia?”. Realmente, o sapo, que foi nomeado Ronaldo por razões óbvias, era extremamente mulambo, pouquíssimo forrado, com costura quase solta e com um laço no pescoço que parecia uma calcinha furreca. Ésper, apesar do tom debochado, graças à seu característico humor ácido, não causou desconforto algum nos presentes, se despedindo de maneira simpática e saindo vazado da cena do crime.
Quem disse que criança não pode sentar numa mesa de bar com os amigos para tomar uma cerveja, um Rum com Coca ou um Jack Daniels? Ou colocar seu suado dinheirinho e quase toda a sua energia vital numa batalha incessante com uma máquina de bichos de pelúcia? Ou roncar bebaça de barriga para cima depois de chegar em casa com o dia amanhecendo? Os nossos heróis estão aqui para provar que quem criou estas convenções está muito enganado. Essa idéia pré-estabelecida de que o adulto tem que reprimir seu lado infantilóide à todo custo é completamente ilusória, repressora e o pior de tudo, chata pra caralho. Um feliz dia das crianças para todos, foram os votos de Ronaldo e Zaso Corporation.
Uma resposta para “Dia das Crianças — A Máquina Maldita”
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