Fotos: LEANDRO FURINI | Texto: JOE BORGES
Tomados de um espírito aventureiro de dar inveja àquele biólogo do Programa da Eliana que ninguém nunca lembra o nome, os zasalhas Joe Borges e Leandro Furini resolveram sair para as ruas de São Paulo numa noite inquieta de terça-feira. Os destemidos rapazes resolveram então inventar uma lenda acerca de um karaokê escondido no submundo do popular bairro da Liberdade, tão obscuro quanto o passado de Agnaldo Timóteo, e partiram para ver se esse recinto realmente existia ou era apenas fruto de suas débeis imaginações. A Liberdade é conhecida universalmente pela imigração japonesa, povo que é grande entusiasta de tomar uma birita, desafroxar a gravata e cantar canções de gosto duvidoso nos tradicionalíssimos karaokês da cidade. Os dois jovens tinham um conhecimento raso de alguns lugares clássicos da região, sobretudo da lisérgica e apoteótica Chopperia da Liberdade, mas a lenda ia além, era mais profunda e abissal. Eles salivavam em busca de desvendar a Lenda do Karaokê Perdido.
Por volta das 22h30 da noite, os zaseiros se encontraram no metrô Liberdade para tomar uma cerveja e discutir os rumos de suas vidas. O tradicional bairro é majoritariamente comercial e fica deveras deserto conforme a madrugada vai se aproximando, se tornando praticamente uma cidade fantasma cenográfica com alguns poucos bares abertos e zumbis cracudos vagando para cá e para lá, exatamente o cenário em que os nossos heróis se encontravam. Olhando para a Rua da Glória, as luzes dos postes iam sumindo progressivamente no horizonte deserto, era apenas o início da empreitada.
Ainda indecisos com relação a qual direção tomar, resolveram descer a Rua dos Estudantes e partir no sentido da já mencionada Chopperia da Liberdade, algo os dizia que o caminho era naquela direção. Sentaram-se num bar de esquina, um dos poucos abertos nos arredores, e pediram uma Itaipava gelada para esclarecer as idéias. Algumas poucas pessoas ainda estavam no estabelecimento àquela hora. Em meio aos planos de dominação interplanetária, uma simpática figura surge em cena. Maltrapilho porém extremamente sagaz em suas palavras, portando seus aparatos de engraxar sapatos e um rádio amarelo que engasgava algum funk nacional, lá estava ele, era Buiú, o bem-humorado morador de rua. Em pouquíssimas palavras já conseguiu ganhar a simpatia dos correspondentes zásicos e sentou-se ao pé da mesa, não tardaria para que um funcionário do estabelecimento viesse repreendê-lo. Os zasóides explicaram ao atendente que o rapaz estava com eles e que não havia problema algum, este olhava triunfante para o repressor. Buiú mencionou que seu rádio estava com a bateria quase acabando, por sorte trazia um carregador consigo. Jonas não titubeou em adentrar o recinto e prontificou-se a carregar o aparato sonoro numa tomada do balcão do bar, sob os olhares inquisitórios dos funcionários, que sabiam que o rádio era do pobre engraxate, mas nada podiam fazer com relação à boa vontade do zasalha. De volta à mesa, os três conversaram bastante sobre questões diversas, foi então que surgiu a idéia de perguntar para Buiú se ele conhecia algum karaokê obscuro pela região. O jovem coçou a cabeça e acabou por não saber responder ao certo, apenas indicou a possível direção, que bateu prontamente com o instinto que pairava sobre os aventureiros. A lenda era arisca até mesmo para o ligeiro Buiú. Já era hora de partir do bar, que teimava em fechar, a madrugada já entrava em cena e era hora de seguir em alguma direção mais objetiva rumo à vitória. Como forma de profundo agradecimento pela boa vontade, Buiú resolveu premiar Jonas com uma vistosa pulseira, um misto de rastafari com Barney, que carregava consigo, foi um amuleto de sorte para a empreitada dos zaseiros.
O frio tomava conta da rua, um fino orvalho caía sobre a cabeça dos jovens aventuróides, mas nada que lhes desanimasse. Desceram a rua em direção a um leve burburinho, haviam lembrado de um karaokê chamado Samurai, que era relativamente conhecido e não se encaixava nos padrões da missão, porém, poderia ser um sinal de que outros estabelecimentos do genêro pudessem sorrir-lhes pelos arredores. Uma discreta porta de vidro lhes chamou a atenção, suas suspeitas haviam se concretizado, era de fato um karaokê. Timidamente chegaram até a porta e foram prontamente atendidos por uma formal e elegante moça que logo lhes convidou para entrar. Os jovens perceberam que a atmosfera do local era extremamente rebuscada e fina para seus mulambos trajes, não condizia com a lenda que suas debilitadas cabeças haviam produzido. Já tirando sua câmera do bolso, Leandro resolve perguntar para a moça como funcionava o local, esta lhe respondeu que o cliente pagava uma quantia de cair o cú da bunda para entrar e ainda podia se engraçar com algumas “funcionárias” do local. Tudo fez sentido ao olhar ao redor e ver ao menos dois Senhores Shitake sorrindo com suas acompanhantes enquanto alguém cantava uma canção em japonês melancólicamente melancólica. Como peixes há anos-luz da água, os zasudos se despediram do local e partiram em busca de um próximo estabelecimento.
Um boteco mulambo jogava suas luzes de pronto-socorro ao pé da calçada, os jovens atravessaram a rua e resolveram perguntar aos locais sobre o tal lugar prometido. Ao chegar no bar, avistaram o sorridente Buiú novamente, ele já estava de saída. O dono do bar lhes disse que àquela hora não encontrariam nenhum karaokê que não fosse a Chopperia aberto, aconselhando-os a vir mais cedo, já passava da 1h da mamãe. Resolveram então tomar as palavras do velho comerciante como sábio conselho e voltaram em direção ao clássico estabelecimento, a fim de que uma luz os guiasse, esperando que um Deus em forma de asiático idoso vestido de Sailor Moon viesse indicar-lhes a direção. A arte de se enganar é a mais bela de todas.
Levemente abatidos, porém sem perder o bom humor, os zásicos sentaram numa corrente de estacionamento, de frente para a Chopperia & Petiscaria da Liberdade (que estava a menos de um quarteirão do boteco em que haviam parado) e ficaram ali contemplando-a. Como de praxe, o movimento era bastante considerável.
Em meio a esta cena fascinante da noite paulistana, surge um mendigo completamente debilitado e falando em inglês sozinho, era claramente um estrangeiro, loiro, de cabelo médio e com feições que não deixavam a menor dúvida de que ele não era nativo daqui. Ele então abordou os rapazes em tom de desgraça e lhes pediu um prato de comida, explicando que era sul-africano, havia deserdado o exército de lá e que agora estava exilado nas ruas do centro de São Paulo. Os zasos se olharam com piedade e resolveram fazer uma vaquinha para pagar-lhe um temaki, eis que o tal pedinte se vira agressivamente e em tom de exigência diz que quer uma pizza que, segundo ele, é vendida numa pizzaria a algumas quadras de lá. Pelo tanto que ele insistiu irredutívelmente que queria porque queria ir comer lá, a situação estava cheirando a golpe, e com as antenas em riste, os zasildos não tiveram dúvida de que essa emboscada não iria pegar-lhes tão facilmente. De saco cheio de tanta criancice por parte do estrangeiro, Jonas disse que ou vai ser do jeito que eles querem ou então ele que vá torrar a paciência de outra pessoa. O debilitado ser então vai embora xingando sozinho e some na névoa, infelizmente não temos registros fotográficos dessa figura zombeteira.
Depois da investida do mendigo gringo, os aventureiros resolvem por fim dar uma sacada no que estava acontecendo em alguns estabelecimentos vizinhos à Chopperia, já um tanto desanimados em sua empreitada. Claramente aqueles locais não se encaixavam no perfil da lenda, era mais como forma de passar o tempo, já que estavam ali. Colada com a Chopperia havia uma porta com uma escada subindo, bastante discreta e que não representava absolutamente nada de empolgante para os zasalhistas. Pararam, observaram e resolveram subir as escadas apenas como desencargo de consciência. Ao chegar no topo da escada deram de cara com a fachada de um restaurante fechado e com uma passagem para um corredor espelhado mais discreto ainda. No final do corredor, uma porta que mais parecia uma escotilha os aguardava. Resolveram entrar, o estabelecimento estava claramente fechado, mas mesmo assim podiam perceber que havia uma certa luminosidade lá dentro. Ao chegar na porta, um tímido funcionário vem abrir a “escotilha” para eles, e eis que uma cena completamente mística surge em frente aos olhos dos incrédulos aventureiros: Se tratava da figura mais carismática e épica da noite karaokêzista da região, e quiçá do Brasil. Se encontrava ali, imponente, elegante e sereno, portando seu parrudo pint de chopp do Corinthians e trajando suas já tradicionais vestimentas azuis e brancas, o poderoso Paulo Omine, também conhecido popularmente como Roberto Carlos Japonês.
Apesar de saber que aquele não era exatamente o karaokê que estavam procurando, sentiram-se abençoados com a presença daquela entidade mística. Esbanjando simpatia, conversaram por alguns bons minutos com ele e com o agora confiante funcionário. O local era extremamente aconchegante, se tivessem chego um pouco antes poderiam desfrutar de alguns bons chopps, mas talvez não teria a mesma graça que encontrar apenas o oráculo e seu fiel escudeiro naquela fria madrugada. Pediram encarecidamente um registro fotográfico dele, que sequer posou, apenas permaneceu impávido em seu assento. Eis que os caçadores da lenda contaram sobre sua empreitada para Paulo e pediram sua opinião acerca da situação. De forma não muito convincente, ele disse que não conhecia tal estabelecimento obscuro, como quem está escondendo o ouro daqueles dois tolos que estão a lhe proferir a palavra levianamente. Com gratidão pelo momento, os jovens se despediram do simpático local e apesar de ainda não terem concretizado sua missão, saíram para a rua de maneira triunfal.
A impressão que paira sobre os zasalhas é de que este karaokê existe sim, e que Paulo sabe mais do que são capazes de imaginar. A missão continuará, e em breve novos relatos dessa saga estarão ao alcance de quem também tem fé que a lenda inventada é verdade.